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sexta-feira, 4 de março de 2016

OSCAR: A IGREJA SOB OS HOLOFOTES

 Por Maria Clara Lucchetti Bingemer 



          A palavra inglesa Spotlight em português significa “holofote”.  Trata-se de uma lâmpada fotovoltaica de tal força capaz de lançar um facho de luz no céu. Usada para guiar aviões em nevoeiros e a mira de canhões, assim como iluminar rotas de embarcações, os holofotes também são usados para iluminar monumentos ou cenários teatrais.

          Assim se chamava a coluna do jornal Boston Globe, que denunciou em primeira mão os abusos de menores por parte de clérigos na arquidiocese de Boston, nos Estados Unidos. Este é também o título do filme que acaba de receber a premiação da Academia de Hollywood: o Oscar de 2016.

          A temática não é nova e já explodiu há alguns anos.  Ao Papa Bento XVI coube a pesada tarefa de lidar com todas as consequências das denúncias de abusos sexuais de menores por parte de sacerdotes católicos.  O mundo inteiro se escandalizou e reagiu de diversas maneiras.  Por não ser tão nova, o filme tem a chance de apresentar um olhar mais tranquilo e desapaixonado sobre o problema.  E é exatamente isso que faz.

          Tal como declarou o jornal Osservatore Romano, órgão oficial do Vaticano, não se trata absolutamente de um filme anticatólico.  Pelo contrário, a postura em relação à Igreja pareceu-me bastante respeitosa. Há pontos que deixam a desejar, obviamente.  O personagem do cardeal Law, por exemplo, aparece   um pouco fraco perto da figura forte e cheia de liderança do verdadeiro cardeal, que hoje está retirado em Santa Maria Maggiore, em Roma. Mas isso não chega a comprometer o filme e a postura equilibrada de que faz prova o diretor Thomas McCarthy.

          Na verdade, o filme é um libelo em favor da verdade.  Todo o problema dos abusos sexuais na Igreja, que tantos sofrimentos provocaram e tantas vítimas fizeram, decorre da postura de certos membros da hierarquia católica, que entenderam ser melhor encobrir esses tristes fatos do que trazê-los à luz. Com isso, conseguiram apenas confirmar os criminosos em seus crimes e os doentes em suas doenças, impedindo-os, inclusive, de procurar tratamento adequado à sua patologia. 

          Como instrumento que se esforça para trazer a verdade à tona está um grupo de jornalistas que, impulsionados por um diretor consciente e exigente, empenha-se no trabalho investigativo que irá finalmente desenterrar documentos escondidos e segredos guardados há muitos anos. Tocados pelo sofrimento das vítimas e comprometidos com sua missão de informar e divulgar a verdade, perseguem os fatos e desfazem os nós que querem impedi-los de conseguir chegar até onde está o núcleo mais profundo da rede que encobre o doloroso drama que se desenrola há tantos anos nos bastidores da vida da diocese.

          Com uma direção competente e adequada, uma equipe de grandes atores, que inclui Michael Keaton, Mark Ruffalo, Rachel McAdams e outros, o filme tem um ritmo adequadamente intenso e contido, que mantém o espectador ligado na trama sem grandes sobressaltos. A lucidez é mantida até o final, quando a redação finalmente é  invadida pela notícia da publicação e o movimento começa a acontecer.

          Parece-me que em termos teológicos, estamos diante de um filme que pode ajudar a refletir sobre esse episódio tão triste da recente história eclesial.  Os que amamos a Igreja sabemos quanto fomos interpelados e questionados por todos esses fatos. E quanto ainda o somos.  Spotlight apresenta a realidade dos fatos sem anestesia, mas também sem sensacionalismo: na pura e nua crueza da sua melancólica realidade. E assim fazendo deixa importantes pistas para a reflexão.

          Ensina que pelo fato de um homem ser consagrado a Deus não significa que passa a ser um anjo em um passe de mágica.   A beleza da vocação sacerdotal, que ao longo destes mais de 2000 anos de cristianismo tem produzido tantos santos, deve ser vivida por homens fracos e pecadores, que devem lutar a cada dia para serem fieis à vocação que seguiram. Ensina ainda que a maioria dos casos de pedofilia é patológica.  E patologia se trata, não se esconde nem camufla.  Não questionando a reta intenção dos que escondiam a verdade pretendendo assim preservar a imagem da Igreja, creio que o filme mostra como este caminho é equivocado.

          Ensina, ainda e sobretudo, que apenas a verdade liberta.  Assim já dizia o Evangelho de Jesus.  Assim mostra o filme.  Sem estardalhaços, nem efeitos especiais, mostra um grupo de profissionais fazendo seu trabalho e perseguindo a verdade.  E quando esta vem à luz, o que acontece é realmente o começo de um processo de libertação.   Spotlight mostra que o holofote pode ser incômodo, mas é certamente muito mais libertador do que a traiçoeira sombra onde às vezes parecem que alguns desejam esconder a verdade.

 Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio. A teóloga é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc) 

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