Por Maria Clara Lucchetti Bingemer
Faz três anos que a fumaça branca subiu na chaminé do Vaticano e a multidão que
aguardava se rejubilou. Três anos que a figura simpatico, vestida de
branco e sem nenhum adereço, apareceu no balcão após o anúncio de que a Igreja
tinha um Papa. Há três anos todos escutamos a impecável teologia de quem
se apresentava como bispo de Roma, igreja que preside todas as outras na
caridade. E que jocosamente dizia vir do “fim do mundo”. Três anos
que o mundo se deslumbrou com a humildade de quem, em lugar da bênção que todos
esperavam, inclinou a cabeça e pediu uma oração.
Nesses três anos de pontificado, o Papa Francisco tem feito um caminho
renovador, inovador e decidido. Como era de se esperar, amado por muitos
e não tão querido por outros. Porém, a marca de seu pontificado está aí,
presente e inspiradora, com conquistas inegáveis. É necessário não perder de
vista. Uma delas é sua teologia. Sim, o Papa Francisco tem uma
teologia que preside seu agir e seus discursos. E, embora não seja um
acadêmico, esta teologia é sólida e configura o seu modo de agir enquanto bispo
de Roma.
A teologia do Papa vem de duas principais fontes: os Exercícios
Espirituais de Santo Inácio – em cuja escola foi formado enquanto jesuíta -
e a Teologia do Povo (Teologia del Pueblo), que aprendeu e viveu durante
seu ministério como bispo e arcebispo de Buenos Aires, nos bairros pobres,
as villas misérias, com padres e agentes de pastoral
que ali davam o melhor de si para que todos tivessem mais vida.
Dessas duas fontes podemos apontar alguns pontos centrais do que seria a
teologia do Papa Francisco, ou seja, sua maneira e estilo de pensar a fé e
propô-la aos fiéis de Roma, de quem é pastor ordinário e também urbi
et orbi, como chefe da Igreja Católica.
Da primeira – os Exercícios Espirituais- podemos destacar a centralidade da
pessoa de Jesus Cristo, não somente proposto com a palavra, mas com a
vida. O Papa busca atuar exatamente como o faria Jesus: aproximando-se
das pessoas, tocando suas feridas, consolando, não julgando, mas amando.
Quem passou pela experiência dos Exercícios de Santo Inácio sabe quanta
importância dá o santo a esta contemplação próxima e afetiva da pessoa de
Jesus, a fim de que o exercitante seja totalmente configurado por ela e se
converta assim em outro Cristo. Podemos dizer, sem medo, que a teologia
do Papa gira inteiramente ao redor de Jesus Cristo e seu Evangelho, do qual se
autocompreende como mensageiro na alegria. E uma teologia cristocêntrica.
Além disso, está sua compreensão da vida cristã como fundamentalmente
missionária. A espiritualidade inaciana é eminentemente apostólica e
missionária, tendo como modelo e inspiração Jesus e o colégio apostólico,
enviados e conduzidos pelo Espírito a anunciar a boa notícia do Reino de
Deus. Nessa chave se devem entender alguns convites que recebeu para
vistar “uma igreja em saída”, um “hospital de campanha” etc. Assim também
algumas de suas palavras de ordem: “Quero movimento”, dirigindo-se a sacerdotes
ou leigos, e animando-os a sair da zona de conforto e ir ao encontro das
pessoas.
A teologia do Papa é marcada pela missão que começa no seio da Trindade com o
envio do Filho e prossegue hoje com os cristãos chamados a encarnar-se
inteiramente entre os pobres e necessitados de toda espécie. É, pois, uma
teologia missionária.
Da experiência nas periferias marginalizadas de sua arquidiocese e da teologia
do povo, destacaríamos a mística da alegria de ser povo. Aí se encontram
e cruzam os Exercícios Espirituais com a teologia do povo, para configurar a
teologia de Francisco. Quando fala do gozo e da alegria do Evangelho,
Francisco está tratando de transmitir que o encontro com o Senhor nos rostos do
povo fiel é a fonte de consolação espiritual de todo batizado, de todo
cristão. Aí na comunidade eclesial, no povo santo de Deus, o cristão é
chamado a encontrar-se com seu Senhor e servi-lo nos outros. Aí este mesmo
Senhor se lhe revelara produzindo a verdadeira alegria, gratuita e abundante,
que brota de sua espiritualidade mais profunda. É uma teologia ancorada
no povo de Deus e sua mística.
A questão dos pobres e do povo como mestres e lugar iniludível de pertença e
espiritualidade é outro traço de sua teologia. Segundo o Papa e por
experiência própria, os pobres são mestres espirituais daqueles que os
servem. Por sua simplicidade, sua esperança contra toda dor e sofrimento,
sua abertura a Deus e aos outros em solidariedade ativa, os pobres desenvolvem
uma verdadeira mística que só pode adquirir-se e aprender por contágio, estando
imerso no meio deles, servindo-os, crendo com eles e amando-os na alegria do
Evangelho.
Assim, discípulos desta teologia papal, encontramo-nos todos no umbral da
entrada de Jesus em Jerusalém. Possa a teologia de Francisco ajudar-nos a
segui-lo sem vaidade diante das aclamações da multidão e assumir sem medo sua
via sacra. E não nos esqueçamos de agradecer a Deus que nos deu um Papa
segundo seu coração. Que possamos aprender de sua teologia e traduzi-la
em vida plena e abundante para todos.
Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora
do Departamento de Teologia da PUC-Rio. A
teóloga é autora de “O mistério e o mundo – Paixão por
Deus em tempo de descrença”, Editora Rocco.
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