Por Juracy
Andrade
Tenho me
referido algumas vezes aqui ao postulado da unidade cristã, pedida ardentemente
por Jesus na chamada oração sacerdotal, na véspera de sua morte na cruz. Não há
nenhum motivo teológico, por exemplo, para o grande cisma que separou as duas
igrejas de Roma e Constantinopla (hoje Istambul), nem para as separações que se
lhe seguiram. Inclusive para a desunião provocada pela Reforma protestante, separação
não desejada por Martinho Lutero, mas ocorrida em boa parte pela intransigência
do papa e de sua corte. Lembremos que recentemente Francisco de Roma se
encontrou, em Havana, com o patriarca Cirilo, da Igreja Ortodoxa Russa,
derivada da constatinopolitana e hoje muito mais numerosa pois abrange fiéis da
Rússia, boa parte da Ucrânia, Sérvia e outros países eslavos. Há um motivo
histórico para a separação entre Roma e Constantinopla: como o poder político
se unira umbilicalmente à Igreja, após séculos de cruenta perseguição, a
divisão do Império praticamente exigia a divisão da Igreja.
As confissões
protestantes nascidas mais recentemente se afastaram muito dos princípios
luteranos e hoje nem sequer gostam de ser chamadas de protestantes, designação
carregada de história e sentido: protesto contra a prepotência do papado, o
desprezo pela Alemanha e outros países, a venda de indulgências. E ainda tem
aquelas que se dizem neopentecostais, responsáveis pelo que muitos protestantes
chamam criticamente de “teologia da prosperidade” (volta à venda da salvação e
à simonia, tão criticadas pelo ex-monge agostiniano) em franca oposição à “teologia
da libertação”, nascida entre católicos de nuestra Latinoamerica.
Há uns dois anos
(janeiro de 1914), o pastor presbiteriano Elben Lenz César, que edita a
excelente revista protestante Ultimato,
escreveu um artigo intitulado “O relacionamento informal da Ultimato com a Igreja Católica”. A
publicação é destinada à evangelização, mas não é denominacional, não estando a
serviço de nenhuma das denominações protestantes, embora sua equipe pertença à
Igreja Presbiteriana. Como escreve Elben César, esse relacionamento informal
começou porque a revista, inicialmente muito pequena, era enviada como cortesia
a inúmeros bispos e padres católicos. Após recebê-la durante oito anos, um
desses bispos, dom Vicente Scherer, de Porto Alegre (RS), enviou ao editor um
cartão com a seguinte mensagem manuscrita: “À redação da Ultimato agradeço a gentileza da remessa regular, por cortesia, de
publicação que vejo com interesse pela franqueza de importantes colocações”
(09.08.1976).
Diz ainda o
pastor que essa abertura cristocêntrica contribuiu muito para abrandar o
antiprotestantismo do lado católico e o anticatolicismo do lado protestante.
Embora a posição da sua publicação venha provocando protestos, críticas e
cancelamentos de assinaturas por parte de protestantes e católicos. Eu acredito
que atitudes como esta muito vêm contribuindo para a criação de um clima mais
cristocêntrico e menos polêmico entre cristãos de diversas confissões
protestantes ou ligados a Roma. E a milagrosa escolha do papa Francisco para
bispo de Roma (que é como ele se apresentou em sua primeira aparição pública na
Praça de São Pedro) significa um passo gigantesco na direção daquela unidade
suplicada por Jesus, nosso Mestre comum. Se não liquidarem o papa ou um
sucessor que aja como ele, o que será liquidada é a Cúria Romana, responsável
multissecular por descalabros monumentais na Igreja de Cristo. Não haverá mais
cardeais-príncipes e os sucessores dos apóstolos, representados pelo Sínodo dos
Bispos, poderão pastorear a Igreja. E, consequentemente, desaparecerão do
vocabulário pós-Constantino expressões como trono de Pedro, anel do pescador,
sua santidade, sua eminência e quejandos. Amém! Aleluia!
Juracy Andrade é jornalista com formação em filosofia e teologia
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