Por Marcelo
Barros
Muitas
pessoas pensam na cruz, apenas como símbolo religioso presente nas Igrejas
cristãs e que nos recorda a morte de Jesus. Seria bom se fosse assim.
Infelizmente, ainda hoje, a cruz é usada como instrumento de tortura e de
infligir aos condenados uma morte cruel. Fotografias espalhadas pela internet
mostram que o ISIS, grupo que se intitula como Estado Islâmico, tem crucificado
inimigos que aprisionam como forma de mostrar ao Ocidente que a guerra santa
contra o Império do Mal continua. Do outro lado, em Guatánamo, campo de
concentração mantido pelo governo dos Estados Unidos, em um enclave de Cuba,
soldados norte-americanos usaram a crucifixão como forma de tortura em
prisioneiros árabes para obter confissões. Há décadas, teólogos como Jon
Sobriño falam em “povos crucificados” para denunciar a injustiça vigente no
mundo atual e, ao mesmo tempo, lembrar que a alma dos impérios é sempre a
mesma. Hoje, o Império é dirigido pelas grandes empresas multinacionais às
quais se associam governos da maioria dos países do mundo ocidental. Talvez
esse império atual seja ainda mais cruel e mais cínico, em se fingir de
civilizado e até democrático. Entretanto, quando é para defender seus
interesses, não tem nenhum escrúpulo em matar e trucidar pessoas, grupos ou
populações inteiras como tem ocorrido na história recente.
Ao celebrar
nessa semana a páscoa de Jesus, muitas comunidades cristãs associam uma coisa a
outra. Celebram a memória da morte de Jesus e associam a essa celebração o
sofrimento de tantas pessoas vítimas da ambição humana e do desamor. Nessa
Quaresma, as comunidades pensam também na cruz imposta à Terra, à Água e a toda
a natureza.
O primeiro
ensinamento da Cruz é que, para a maioria dos seres humanos, esse mundo é cada
vez mais um vale de lágrimas. E não porque Deus quer que seja assim, nem porque
esse é o destino normal das pessoas e sim pela organização injusta e cruel que
a sociedade dominante impõe à humanidade. Por isso, é importante unir todo esse
sofrimento espalhado pelo mundo à Cruz de Jesus. Ao fazer isso, denunciamos a
crueldade de um mundo que continua submetendo os empobrecidos à Cruz. No entanto,
ao associar as cruzes dos povos à Cruz de Jesus, queremos, principalmente, reafirmar
a esperança de que, assim como da cruz de Jesus surgiu uma vida nova, também de
tanto sofrimento humano e da terra, pode surgir uma situação nova.
Enquanto o
mundo for dividido e a sociedade se organizar a partir da injustiça, muitas
pessoas são responsáveis pela crucifixão de outras. Jesus não queria a morte.
No entanto, sua forma de viver e de agir feriu frontalmente os interesses do
império e da religião estabelecida que controlava o povo em nome de Deus. Jesus
mostrou que o Deus, a quem ele chamava de Paizinho é totalmente diferente do
deus do poder político e do templo. Foi, então, normal que os poderosos
políticos e religiosos da época se unissem. E Jesus foi condenado tanto pelo tribunal
do governador Pilatos, quanto pelo sinédrio do sacerdote Caifaz. Ele assumiu
isso como profeta e mártir – para transformar a realidade a partir de baixo.
Assim, Jesus mostrou que Deus é Amor. Um amor tão absoluto que ama mesmo quem
não o ama e perdoa os próprios inimigos. Não é um Zeus grego a dominar o
universo, mas um Deus impotente e crucificado de dor com seu próprio filho que
assume em sua pessoa toda dor e sofrimento dos aflitos.
Essa
energia de solidariedade amorosa vinda da Cruz foi tão revolucionária que,
paradoxalmente, foi mais forte do que todo o ódio do mundo. Simbolicamente, os
evangelhos falam que o túmulo de Jesus apareceu vazio. Os evangelhos insistem
que ele apareceu no meio dos seus, frágil e ferido. Ainda com as chagas da
cruz, mas vivo e vitorioso. É um modo de dizer que o Espírito amoroso do Pai
deu a Jesus uma vida nova. A ressurreição não é uma sobrevivência depois da
morte e sim uma forma de vida nova para além da morte. Ela se manifesta na cruz
e na dor das pessoas que sofrem sem perder a esperança. Ninguém deve aceitar
passivamente as cruzes que o mundo impõe. No entanto, ao lutar para que não
haja mais cruz, podemos crer que a própria cruz abre um caminho novo de
esperança. É uma força revolucionária de apostar no melhor, mesmo quando se
vive o pior. Esse é o caminho pascal no qual o amor divino se manifesta onde
estiverem dois ou três reunidos no nome de Jesus.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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