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quinta-feira, 21 de outubro de 2021

AGENDA POLÍTICA PARA 2022

 Frei Betto


 

       Participei, de modo virtual, do 28º encontro estadual do Conselho do mandato do deputado federal Vicentinho (PT-SP), ex-presidente da CUT. É o único parlamentar da Câmara dos Deputados que debate com seu Conselho, integrado por militantes de base, líderes comunitários, prefeitos e parlamentares, a aplicação de suas emendas parlamentares, o que assegura transparência e objetividade.

       Em minha análise de conjuntura, frisei que segundo o Centro de Políticas Sociais da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a atual renda média dos brasileiros caiu 9,4% desde o final de 2019. Nem todos perderam por igual. A redução na metade mais pobre da população chegou em 21,5%, enquanto no segmento mais rico ficou em torno de 7%.

       A situação socioeconômica do Brasil, com o fracasso do governo Bolsonaro, é dramática: dos 101,5 milhões de brasileiros que compõem a força de trabalho no país, 14,8 milhões desempregados. Abaixo da linha da pobreza sobrevivem 27,3 milhões de brasileiros (12,8% da população). E a retirada de direitos sociais da classe trabalhadora é agravada pela maior inflação dos últimos 27 anos (acima de 10% nos últimos 12 meses). 

       Em março de 2020, antes de a pandemia se agravar, o país tinha mais 7,5% de trabalhadores ocupados. Hoje, o número de desempregados é 20% superior ao existente anteriormente.

       E qual é a qualidade do emprego em nosso país? O trabalho por conta própria, o chamado “bico”, foi o tipo de ocupação que mais aumentou: cerca de 8,7% na comparação entre maio de 2020 e maio de 2021. O trabalho sem carteira assinada teve alta de 6,4%. A taxa de informalidade está em 40% da população ocupada, ou seja, 34,7milhões de trabalhadores sem direitos assegurados.

Já o trabalho doméstico, em queda de 19% em relação ao período pré pandemia, ficou praticamente estável entre maio de 2020 e maio deste ano.

       Somam-se aos desempregados os desalentados, aqueles que desistiram de procurar trabalho: são, hoje, 5,7 milhões, o que corresponde a 5,3% do total da força de trabalho do país.

         uma demanda real pela criação imediata de mais de 33 milhões de postos de trabalho! Se adicionarmos os 34,7 milhões na informalidade, veremos o tamanho do desafio que se coloca como prioridade para o Brasil encontrar um caminho de crescimento sustentável.

       Outra tragédia é a volta do Brasil ao mapa da fome. Quase 20 milhões de brasileiros (um Chile) declaram passar 24 horas ou mais sem ter o que comer. Mais 24,5 milhões não sabem se poderão se alimentar no dia seguinte, e já reduziram quantidade e qualidade do que comem. Outros 74 milhões vivem inseguros sobre se terão ou não refeições ao longo da semana. No total, são 118,5 milhões de pessoas (mais de duas vezes a população da Argentina) carentes de alimentação adequada ou que sofrem de algum tipo de insegurança alimentar (grave, moderada ou leve). 

       A principal causa da fome e da insegurança alimentar é a desigualdade social que caracteriza historicamente a sociedade brasileira, resultante de vários nós, como estrutura agrária arcaica, domicílios precários para a maioria da população nos centros urbanos, e discriminações de gênero e étnicas. Somam-se a isso a ausência de políticas públicas permanentes orientadas pela promoção e proteção de direitos humanos e o desmonte dos direitos sociais no mundo do trabalho e dos grupos sociais vulneráveis.

       Tudo isso agravado pela pandemia, a baixa remuneração dos que se encontram na economia informal, a flexibilização das leis trabalhistas, a pobretarização da população brasileira. 

       Essa conjuntura patética exige, em caráter de urgência, que o Brasil adote uma política de renda básica universal. Assim será possível assegurar o direito elementar de qualquer ser humano, independentemente de sua condição, de se alimentar adequadamente.

       Apesar desse quadro sinistro, o governo Bolsonaro resiste. Como se explica tal resiliência? Isso se deve ao apoio e à sustentação, explícitos ou camuflados, das classes dominantes, em especial o capital financeiro, os grandes grupos corporativos nacionais e multinacionais, o latifúndio e o agronegócio. Além de segmentos importantes da classe média. 

       Este quadro comprova a convergência entre o neoliberalismo e o neofascismo, construída desde as manifestações de 2013, o que resultou no impeachment da presidente Dilma Rousseff e na eleição de Bolsonaro.

       Ao contrário do que se propala, Bolsonaro não é um “sem partido”. Ele encabeça o Partido Militar, integrado por três segmentos: as Forças Armadas; o Partido Fardado (que reúne policiais-militares, bombeiros, guardas de empresas de segurança); e o Partido Bélico, no qual se aglutinam milicianos, frequentadores de CACs (Clubes de Caçadores, Atiradores e Colecionadores) e fanáticos neonazistas.

       Segundo análise de Ana Penido, “contribuíram para a reorganização do Partido Militar a presença das tropas no Haiti (aumento dos contatos internacionais), as operações de Garantia da Lei e da Ordem (oferecendo às Forças Armadas uma autoimagem de solucionador de problemas nacionais), o emprego das Forças Armadas nos megaeventos esportivos (proporcionando contatos com elites econômicas – particularmente empresários da construção civil – e com a imprensa), e a Comissão Nacional da Verdade (garantindo coesão discursiva em torno de um inimigo comum, a esquerda)”.

       Militares têm dificuldades de se adaptar ao regime democrático. Pensam segundo a lógica da guerra, miram a população dividida entre aliados e inimigos, e são treinados em 3Ds (não duvidar, não divergir, não discutir). E a lógica da guerra se encontra, hoje, popularizada pelos jogos eletrônicos, a moda, os aplicativos de relacionamentos, e a impunidade ao machismo, à homofobia e ao racismo. E fortalecida pela liberalização da compra de armas. 

       Caso as forças de oposição ao governo não tenham força de promover o impeachment de Bolsonaro, o Brasil terá de suportar o genocida até as eleições de 2022. E continuar a assistir às reiteradas ameaças ao Estado de Direito e ao desmonte dos direitos sociais. Ainda assim, urge que a oposição intensifique sua atuação contra-hegemônica, antineoliberal e antifascista, sem cair no engodo de uma “frente ampla” contra Bolsonaro, o que só existe na retórica da direita neoliberal interessada em viabilizar uma candidatura que derrote, preferencialmente, a esquerda.

       Na conjuntura internacional segue em curso o processo de transição da hegemonia estadunidense para a chinesa, em aliança com a Rússia. Com isso, acirram-se as disputas geopolíticas em todos os cantos do globo. Particularmente na América Latina, o imperialismo estadunidense intensifica seu controle sobre sua tradicional “reserva de domínio”, se necessário fazendo uso da força e de golpes de Estado.

       Essa disputa cria rachaduras nos setores dominantes do Brasil. Enquanto os militares continuam alinhados à Casa Branca, o agronegócio sabe que não lhe convém perder a China como principal parceira comercial. Em suma, os próximos anos tendem a definir quem dominará o século. 

       Encerrei a análise de conjuntura assinalando oito pautas que considero imprescindíveis às oposições no ano eleitoral de 2022. Isso requer, em primeiro lugar, definir um novo Projeto Brasil. Qual o Brasil que queremos? Quais as reformas estruturais prioritárias? 

       Assim, o governo Lula, a ser empossado no início de 2023, e as forças que o apoiam, poderão se centrar nos oito pontos: 1) Combate à desigualdade social; 2) Implementação de renda básica à toda a população em idade laboral; 3)  Acesso de todos à saúde e educação; 4) Preservação socioambiental (saneamento básico, energias limpas etc.); 5) Resgate da ética como bandeira identitária da esquerda; 6) Intensificação do trabalho de base (educação popular) junto aos excluídos e vulneráveis; 7) Diálogo com o segmento evangélico (priorizando a Bíblia como canal) e os movimentos identitários (negros, LGBTodos e Todas; indígenas etc.); 8) Capacitação no desempenho das redes digitais e demais recursos da Internet, como forma de divulgação da pauta de oposição e combate das “fake news”. 

 

Frei Betto é escritor, autor de “O diabo na corte – leitura crítica do Brasil atual” (Cortez), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org

 

Frei Betto é autor de 70 livros, editados no Brasil e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org  Ali os encontrará  a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio. 

  

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