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domingo, 3 de outubro de 2021

AMOR EM EXEMPLOS, EM TEMPOS DE CORONAVIRUS


 FREI ALOÍSIO FRAGOSO

(27/09/2021)

  

     Qualquer um que se proponha a falar deste assunto corre o risco de ser repetitivo, por uma razão muito simples: tudo já foi dito sobre o amor, em milhões de anos em que  esta tem sido a mais irrecusável das necessidades humanas.  Isso não lhe tira a novidade quando se leva em conta que cada pessoa é única, irrepetível e, consequentemente, a experiência amorosa de cada uma é original e nova.

 

     Relembremos algumas destas experiências, tidas como exemplares porque encerram algo comum a todos nós, à nossa grandeza e à nossa pequenez.

 

        Fora do âmbito da Fé, os apreciadores da poesia decerto conhecem a poetisa portuguesa Florbela Spanca e se comovem com a sua tragédia pessoal. Seus poemas revelam uma verdadeira  obsessão  pelo tema do amor. Um deles começa dizendo "minha alma de sonhar-te anda perdida, meus olhos andam cegos de te ver.... " e termina com um arremate místico: "podem voar mundos, morrer astros, que tu és como Deus, princípio e fim". Aí está a utopia do amor humano, transcender o limite do tempo.  Fracassada em seus amores, Florbela suicidou-se. Mas continua venerada pelos  seus conterrâneos, como poetisa e como pessoa. É que a humanidade admira quem leva o amor até as últimas consequências, mesmo que acabe em loucura.

 

       No campo do testemunho cristão, lembro um exemplo incomparável, que avalio como prova suprema de amor ao próximo.O missionário espanhol Pedro Claver, nascido no ano de 1580, morreu aos 74 anos de idade e viveu mais de 40 destes anos nos porões dos navios negreiros vindos da África. Revoltado com o comércio de seres humanos, ele fez um voto na sua juventude: "serei escravo dos escravos". Todos os dias ele os esperava no porto de Cartagena, Colômbia, um dos maiores entre-postos do comércio de escravos das Américas, nos séculos XVI e XVII. Chegavam  semi-mortos, doentes no corpo, feridos na alma. Pedro Claver descia aos porões escuros e fétidos e, durante semanas  curava-lhes as chagas e o desespero. Por suas mãos teriam passado cerca de 300.000 escravos. Morreu vítima de uma epidemia de peste. Ao canonizá-lo, o Papa Leão XIII declarou: "Pedro Claver é o santo que mais me impressiona, depois do próprio Cristo".

 

      Ao conhecer exemplos que a História dos Povos imortalizou, consideremos que eles devem ser vistos como uma referência, não como modelos acabados. Eles são exemplares porque outras pessoas os complementaram; o anonimato destas pessoas não lhes tira o mérito compartilhado com esses heróis e heroínas. A História seria injusta se não fosse supervisionada pelo Olhar Divino, que "vê o que está oculto e dá a cada um a merecida recompensa" cfr. Mt. 6,6.

 

     A tragédia do coronavirus  abriu a consciência do médico  pneumologista Ivan Mendes Ribeiro e seu depoimento nos serve de lição: "Na minha formação o foco era no profissional médico, na sua atuação. Agora vejo claro que, quando se vai para a prática, descobre-se que sozinho a gente não é nada. O pneumologista precisa do enfermeiro qualificado que mereça a sua confiança; do fisioterapeuta qualificado, para cuidar da reabilitação; do técnico de enfermagem qualificado, para preparar o medicamento; do profissional de limpeza competente, para manter o hospital limpo. Sozinho não se consegue absolutamente nada".

 

      Caso se possa imaginar algum acréscimo de alegria no céu, imagino a alegria de S. Paulo, vendo comprovadas estas suas palavras: "Vós sois o Corpo de Cristo e cada um de vós é um de seus membros.(....). O olho não pode dizer à mão "eu não preciso de você". Nem a cabeça pode dizer aos pés: "dispenso a ajuda de vocês". Pelo contrário, os membros do corpo que parecem os mais fracos são os mais necessários" Cfr.1Cor. 12,1ss.

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor

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