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quarta-feira, 6 de outubro de 2021

AMOR E PARÁBOLAS, EM TEMPOS DE CORONAVIRUS

 FREI ALOÍSIO FRAGOSO


(05/10/2021)

   

     Todos os grandes pensadores da História, creio eu, alguma vez foram convidados a falar sobre o assunto do amor. Poucos ousaram dar definições, a maioria preferiu servir-se de metáforas e alegorias.

      Jesus não escaparia desta regra geral. No entanto, Ele sempre associava o amor a uma prática de vida. "Quem me ama cumpre  os meus mandamentos" Jo.14,23. Quando exigiam mais do que uma simples sentença, Ele contava parábolas, abertas à compreensão dos simples ou dos letrados.

      Uma destas parábolas narra que um doutor da lei, querendo pô-lo à prova, perguntou-lhe: "Mestre, qual é o maior dos mandamentos?" Como se ele mesmo já não o soubesse! Como se os ouvintes ali presentes já não o tivessem decorado! Como se a prática do amor precisasse antes de uma definição verbal!

     Jesus percebe de imediato a intenção do doutor da lei: fazer uma exibição pública de conhecimentos abstratos; preencher o tempo de provar o amor real com intermináveis e teóricas discussões. Então conta-lhes uma parábola, baseada em fatos reais.

       "Um certo homem caminhava de Jerusalém para Jericó e caíu nas mãos de assaltantes, que o  despojaram e o jogaram ferido à margem da estrada. Por ali passou um sacerdote e, a seguir um escriba; viram aquele homem e foram adiante.  Mas passou também um samaritano. Este desceu da sua montaria, tratou das feridas e permaneceu com ele até ter certeza da cura e da segurança. Cfr. Lc.10:25-37. Os dois primeiros pertenciam à elite dos cidadãos piedosos e fiéis praticantes da religião. Já o outro era uma figura detestada por conta de um longo histórico de ódios e preconceitos entre samaritanos e judeus.

      Escolhendo personagens do meio dos seus ouvintes, Jesus transfere a questão das bocas para as consciências, das teorias para o compromisso. Nega-lhes o benefício da neutralidade e a todos nivela na balança de direitos, deveres e dignidade.

      Aí está uma parábola perpetuamente atual. Ela acontece também entre pessoas de boa vontade. Quantas vezes os "anjos" se reúnem horas seguidas para refletir e planejar, enquanto os "demônios" entram em campo e agem, agem, agem! Quando finalmente os "anjos" decidem partir para a ação, o estrago está feito. Então eles voltam para casa  e dizem: precisamos rezar mais tempo pela conversão dos pecadores.

 "E quem é o meu próximo?" Perguntou o doutor da lei.

      Em meio a atual catástrofe sanitária e política do país, os detentores do poder usurpado determinam a lista dos que devem ser excluídos desse direito. Até sobrarem os elementos da única definição admissível: "meu próximo é quem concorda comigo e com os meus projetos". Os outros são execráveis comunistas, inimigos da "pátria amada Brasil".

      A pandemia do coronavirus expôs suas entranhas aos olhos do mundo. No dia 28 de janeiro do ano em curso, diversas entidades religiosas (CONIC, CIMI, CNBB) entregaram à ONU um Documento denunciando seus crimes hediondos com palavras fortes: "a pandemia no país é alimentada por uma conduta política, econômica e social contraditória, negacionista, indiferente à dor, que está ampliando as profundas desigualdades (....) As populações mais afetadas por esta política são as pessoas negras e indígenas, fortalecendo assim o racismo estrutural da nossa sociedade" (....) 

     Contudo, é indispensável considerar também a outra face da realidade, a que nos comove e convence. Para isso voltaremos ao assunto.

      Enquanto isso, não nos é difícil imaginar a razão por que o sacerdote da Parábola do Samaritano passou indiferente pelo corpo ferido e abandonado. Ele tinha pressa de chegar à Sinagoga e  cumprir sua tarefa de pregar a Palavra de Deus. Mas Deus ficou  ali, caído à beira do caminho.

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor

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