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quarta-feira, 13 de outubro de 2021

AMOR E MISERICÓRDIA, EM TEMPOS DE CORONAVIRUS

 FREI ALOÍSIO FRAGOSO


(11/10/2021)

 

 

     Desde o aparecimento do "homo sapiens" no planeta terra, quantos palavras já foram escritas para se falar de amor? - Só Deus sabe (entenda-se isso ao pé da letra). Poucas, no entanto, alcançam o encanto e a riqueza de um breve trecho bíblico:   " A Parábola do Filho Pródigo". Na verdade, ela trata do amor de Deus, porém encerra o que há de melhor e mais sábio em favor do amor humano.

 

     Logo de início traz uma lição profunda sobre o mistério da liberdade. Nada faltava ao filho mais novo no seio da família, exceto uma só coisa: espaço suficiente para realizar seus sonhos. Autorizado pelo pai, ele partiu, sentindo-se finalmente livre, não porque antes se sentisse escravo, e sim porque a pessoa é sempre maior do que sua casa, maior do que suas posses, maior do que seus laços de sangue e parentesco.

 

     Esta lição tem origem em Deus. Ele deixa-nos partir em qualquer direção, mesmo na direção contrária à sua vontade. Isso nos torna responsáveis pelo caminho de ida e volta. Daí porque tantas pessoas tem enorme dificuldade de ser livres e, de bom grado, trocariam o liberdade pela segurança; adorariam ter a mão segura e poderosa de um super pai guiando-as a cada passo do caminho. Este pai não seria Deus. Ele nos deixa livres, ainda que pressentindo que chegaremos ao fundo do poço. "Eis que vos coloco na encruzilhada do caminho entre a vida e a morte. Escolhei!", declara o livro do Eclesiástico.

      O filho pródigo partiu porque queria partir. O pai deu-lhe a bênção e a herança porque não lhe comprazia a presença compulsória do filho. Quem se contenta em ser amado sob pressão?

Deixar partir, pois, é um sacrifício que o amor exige, a serviço da vida.

      No mundo pragmático em que vivemos, sucesso ou fracasso se mede pelos resultados contábeis. O filho pródigo perdeu anos de vida, estragou a saúde, desperdiçou a herança, sofreu fome e solidão, foi humilhado a ponto de lhe ser negada a comida jogada aos porcos. Mas os critérios da misericórdia são outros, são ditados pelas saldos morais: o filho pródigo aprendeu o caminho de volta às suas origens, voltou mais experiente e sábio,  mais consciente do que é ser filho, mais preparado para ser pai. E aprendeu a lição mais decisiva da vida, a que só se aprende sozinho, através de acertos e desacertos.

      Afinal o que é a misericórdia? Ela é o amor chegando à sua última consequência, o amor da absoluta gratuidade; ela chega na hora em que o amor

 é injustamente ferido; é o amor que abdica de si mesmo e não pergunta se o outro merece ou não merece, antes de se dar, mas simplesmente entrega-se.

      Logo se vê que não há a mínima chance de a misericórdia infiltrar-se em alguma brecha das estruturas do Sistema Capitalista. Este deixaria de existir se, por um só dia, a adotasse.

      Permitam-me, neste momento,  partilhar um fato no qual tive uma pequena participação como coadjuvante. Uma amiga de muitos anos, de idade avançada, modelo excepcional de uma fé heróica, testou covid positivo e a morte a levou do nosso meio em poucos dias. Teve a graça de ver atendido o seu último desejo: "se isso acontecer comigo, não me deixem sofrer muitas dores". Desde então a família vive uma silenciosa e dolorida tensão emocional.  Foi um dos filhos que, voltando de uma viagem, contagiou-a dentro de casa, em seu cauteloso isolamento doméstico. Como superar o possível ressentimento familiar, em favor da harmonia

e da tranquilidade das consciências? Com o exercício da misericórdia. Nenhum filho faria isso em sã consciência. Nenhuma mãe o condenaria por isso. Toda boa mãe se sacrificaria pela paz da família. Que prevaleça, pois, o amor misericordioso.

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor

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