Por Frei
Betto
A araponga é uma ave que não perde a oportunidade de meter o bico em todo fruto que encontra pela frente. E possui uma propriedade especial: as sementes engolidas não perdem o poder germinativo, que inclusive é maximizado.
Sob a ditadura, os espiões do
SNI ganharam o apelido de arapongas. Metiam o bico na vida de todo mundo, até
mesmo de quem apoiava o regime militar.
Agora, graças ao jovem
Snowden, sabemos que a maior arapongagem praticada na história da humanidade é
“made in USA”. Os EUA, que consideram a segurança mais importante que a
liberdade, e o capital, que os direitos humanos, metem o nariz na vida de
pessoas, governos, empresas e instituições. Aprenderam com Clausewitz que a
surpresa é o trunfo do inimigo.
O governo estadunidense,
através de sua Agência Nacional de Segurança (ANS), espionou (ou ainda
espiona?) a presidente Dilma e a Petrobrás. Com certeza, fez e fará muito mais.
Para mim, a notícia não
constitui nenhuma novidade. Sei, por documentos oficiais obtidos no Arquivo
Nacional (Habeas Data), que fui monitorado pelos arapongas do regime militar de
junho de 1964, quando me prenderam pela primeira vez, a 1992 – sete anos apos o
fim da ditadura!
Em agosto de 2003, quando eu
trabalhava no Planalto, aparelhos de escuta foram descobertos na sala do
presidente Lula. Meses depois, deparei-me com uma equipe do Exército fazendo
uma varredura no gabinete presidencial. Indaguei de Gilberto Carvalho, chefe de
gabinete, o que era aquilo. Disse que, periodicamente, os militares conferiam
se havia ali algum sistema de escuta. Frente à resposta, retruquei: “E quem
garante que eles não ‘plantam’ na sala novo sistema de escuta?”
Uma informação governamental
vale fortunas. Se acionistas e correntistas sabem, de antemão, que o Banco
Central decretará a falência de um banco, isso não tem preço. Quem soube que o
presidente Collor confiscaria toda a poupança dos brasileiros, deve estar rindo
até hoje da multidão que foi apanhada de surpresa.
A Guerra Fria só não esquentou
porque a União Soviética espionava os EUA, assim como os EUA a União Soviética.
Com frequência o espião de um lado era trocado por outro que servia à potência
inimiga. Não é à toa que a Rússia decidiu conceder asilo a Snowden. Ele sabe
demais a respeito da arapongagem ianque.
Em março de 2012 conheci, no
México, um professor universitário que, durante 20 anos, atuou nos EUA como
espião da Inteligência Militar soviética. Sua tarefa era localizar bases de
mísseis nucleares. Graças à autobiografia de um ex-agente do FBI, ele soube,
anos após ter sido expulso dos EUA, que o seguiram durante sete anos. Queriam
saber quem era o seu mentor, o que nunca descobriram.
No tempo da máquina de
escrever era impossível o araponga conhecer o conteúdo da mensagem, a menos que
obtivesse cópia do texto ou pudesse fotografá-lo. Agora, todos os meios
eletrônicos, de computadores a celulares, podem ser “radiografados” pelos
serviços de segurança dos EUA. O “Big Brother” sabe tudo que se passa em nossa
casa.
Ainda que a Casa Branca
apresente desculpas à presidente Dilma, isso não significa que a ANS deixará de
rastrear os computadores do Planalto e saber o que, quando e com quem a
presidente conversou. Informação é poder – de nos submeter aos interesses do
mais poderoso império já existente na história da humanidade.
Apenas uma nação tem
conseguido driblar a arapongagem estadunidense: Cuba. Isso tanto irrita a Casa
Branca que, contrariando todos os princípios do Direito, mantém presos nos EUA
os cinco heróis cubanos que tinham por missão evitar atos terroristas
preparados sob as barbas de Tio Sam.
Encerro com uma pergunta que
não quer calar: por que, em vez de atacar o povo sírio, os EUA não
bombardeiam fábricas de armas químicas, como a Combined Systems, localizada na
Pensilvânia? Que o digam os vietnamitas atingidos, mortos e deformados pelo
“agente laranja” espalhado pelas Forças Armadas dos EUA durante a guerra do
Vietnam.
Frei Betto é escritor, autor de “Hotel Brasil – o mistério
das cabeças degoladas” (Rocco), entre outros livros.
http://www.freibetto.org/>
twitter:@freibetto.
Copyright 2013 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los, propomos assinar todos os artigos do escritor. Contato – MHGPAL – Agência Literária (mhgpal@gmail.com)
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