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terça-feira, 10 de setembro de 2013

Cidadania transformadora



Por Marcelo Barros


     Parece estranho afirmar, mas etimologicamente, o termo Igreja (em grego ekklesia) é sinônimo do que hoje se chama cidadania. No mundo antigo, Igrejas eram as assembleias de cidadãos que tinham poder de decisão nas cidades do mundo greco-romano. Quando Paulo chamou de Igrejas os grupos de discípulos e discípulas de Jesus, fez com que mulheres e crianças, pessoas pobres e até escravos/as que nunca teriam direito à cidadania do Império, assumissem a condição de cidadãos do reinado divino, uma nova realidade que Deus prometia fazer vir ao mundo para transformar todas as estruturas da sociedade. Paulo escreve à comunidade cristã de Corinto: “Vejam, irmãos, no grupo de vocês, não existem muitos sábios, poderosos ou nobres, conforme o mundo. Mas, pelo contrário, o que o mundo considera louco, fraco e desprezível, Deus escolheu para confundir os sábios e poderosos. Deus escolheu o que aos olhos do mundo não vale nada para confundir o que o mundo considera importante” (1 Cor 1, 26- 28). 

     Durante os primeiros três séculos, as Igrejas cristãs foram fieis a essa vocação. Eram como ensaios de um mundo novo, mais humano e justo. As Igrejas procuravam inspirar-se nas bem-aventuranças proclamadas por Jesus, anúncios de mudança de vida para os pobres, pequenos e pessoas que sofrem. A partir do século IV, a Igreja foi reconhecida como religião oficial do Império Romano e acabou por conviver com muitas estruturas injustas do mundo. Há mais de vinte anos,  o papa João Paulo II, em nome da Igreja Católica, pediu perdão aos índios e aos negros pela cumplicidade da hierarquia da Igreja Católica com a escravidão e a dominação imposta pelos colonizadores.

     Nesses dias de setembro, as comunidades cristãs latino-americanas recordam os 45 anos da conferência episcopal de Medellín, na Colômbia, reunião que juntou bispos católicos de todo o continente. Essa reunião deu a nossas Igrejas locais um rosto próprio, inserido em nossas realidades. As conclusões da assembleia de Medellín insistem na presença e atuação de todos os cristãos nos processos sociais e políticos para transformar a América Latina em um continente mais justo e igualitário. Os documentos de Medellín definem como missão da Igreja cuidar da promoção humana de cada pessoa e dos povos, a partir dos valores da justiça, paz, educação e família. Isso foi em 1968, quando muitos países do continente viviam sob forte ditadura militar, patrocinadas e garantidas pelo governo imperial dos Estados Unidos da América do Norte.  Por causa de sua opção evangélica e transformadora, a Igreja Católica e algumas outras Igrejas sofreram muito. Bispos, padres, religiosos/as e leigos/as, foram perseguidos, presos e torturados. Muitos homens e mulheres  deram a vida para testemunhar o projeto divino de justiça e amor a ser realizado no mundo. Para a Igreja, esse testemunho do reino de Deus em meio à realidade social e política de forte injustiça custou o sangue de muitos mártires. Foi um preço alto demais a pagar e por isso não pode ser esquecido ou menosprezado. Mais triste ainda é ver essa mística transformada em uma fé voltada para si mesma e na linha do reality show de mau gosto,  banalizada pelos adeptos de uma religião reduzida a shows e sentimentalismo.  

     Atualmente, as comunidades católicas e até de outras Igrejas cristãs têm consciência de que devem reler, atualizar e completar as intuições principais da conferência de Medellín, para participar ativa e positivamente dos processos sociais e políticos novos que vivem muitos de nossos países latino-americanos na construção de um socialismo democrático bolivariano para o século XXI. O documento 5 das conclusões de Medellín continua muito atual quando propõe: “Devemos dar a nossas Igrejas na América Latina, o rosto de uma Igreja autenticamente pobre, missionária e pascal, desligada de todo o poder temporal e corajosamente comprometida comprometida na libertação de cada ser humano e de toda a humanidade” (Medellín, 5, 15).    


 Marcelo Barros , monge beneditino, teólogo e escritor. Tem 44 livros publicados.
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