por Maria Clara Lucchetti Bingemer
Quem disse que a vida se resume ao tempo cronológico e se submete a seus limites e padrões? Quem pensa que há ocasiões em que já passou da hora, já é tarde, não é mais tempo para certas coisas? Quem não acredita que o tempo de Deus independe da sucessão dos dias e da caducidade dos seres criados?
Quem disse que a vida se resume ao tempo cronológico e se submete a seus limites e padrões? Quem pensa que há ocasiões em que já passou da hora, já é tarde, não é mais tempo para certas coisas? Quem não acredita que o tempo de Deus independe da sucessão dos dias e da caducidade dos seres criados?
Maria
Victoria, nascida no último dia 19 de julho, responde a todas essas perguntas.
Chegou com mais de quatro quilos e muito mais de 50 centímetros.
Linda, rosada, bochechuda. Chegou quando todos pensavam que já estava
encerrado o capítulo dos nascimentos na família. Chegou surpreendendo,
espantando, trazendo o novo e o imprevisível para dentro do previsível e do
provável. E lá estávamos nós todos que achávamos que já tínhamos vivido
todas as emoções ligadas a nascimentos, partos e gestações, ansiosos e
emocionados à espera do anúncio de sua vinda ao mundo.
Quando
a cortina se abriu, e ela apareceu atrás do vidro, chorando valentemente e
fazendo biquinho, o mundo voltou a começar, em clima de estreia, novinho em
folha e cheio de frescor. Para nós, irmãos, avós, tios e tias, primos e
primas, era novamente uma experiência única, a de ver seu rostinho e com sua
pessoinha travar conhecimento.
A
rotina que se seguiu, qual seja, fraldas, banhos, leite, chorinho, etc. parecia
ser vivida como por vez primeira. Porque sua protagonista era única e
nunca havia antes experimentado essa louca aventura antes. Sua irmã de
seis anos, que antes, naquele mesmo hospital, também cometia a audácia de
nascer, agora a carregava no colo, cheia de cuidados e desvelos. A irmã
maior tirava fotos sobre fotos e mandava para todos no celular. E mãe e
pai trocavam olhares carinhosos, se davam as mãos e contemplavam o fruto
bendito de suas entranhas como se fosse a primeira vez.
Maria
Victoria chegou desmentindo estatísticas e prognósticos que marcam limites para
a vida acontecer. Chegou depois, posterior. E, no entanto com sabor de
primeira. De única. De primogênita. Assim, dissolveu preocupações e
temores com seu primeiro choro e seu rostinho redondo. Instalou-se na
vida com uma naturalidade de fazer gosto. E ali segue. Mamando,
dormindo, sorrindo para os anjos enquanto sonha. E fazendo a casa gravitar
em torno de sua pessoinha.
Já
participa da família que se tornou maior com sua chegada. No Dia dos Pais
teve até o pezinho pintado de “guache” vermelho para ser “impresso” na
cartolina onde os outros irmãos registraram as palmas das mãos e escreveram
declarações de amor ao paizão orgulhoso. Já não se imagina a família sem
ela. Já é membro pleno e integral desse grupo humano que se pergunta como
conseguiu viver até agora sem sua presença adorável.
Sem
nem desconfiar disso, nossa mais nova bebezinha está nos dando uma aula de
teologia. Ela nos ensina que no âmbito da fé as leis do kronos (do
tempo submetido à caducidade e que se esvai e é contado em dias, horas e
minutos) é substituído pelo kairós, tempo de Deus, que só em Deus
encontra sua unidade de medida. Não se trata mais, pois, de um tempo
submetido à erosão, à decadência e à caducidade, mas um tempo onde as coisas
são permanentemente renovadas, feitas novas, pelo Espírito que a tudo recria e
renova.
É
isso que diz São Paulo em sua segunda carta aos cristãos de Corinto.
Somos todos novas criaturas, novas “crianças”. Pois em Cristo as
coisas velhas passaram e tudo se fez novo. E por isso, as coisas não mais
podem ser medidas com os parâmetros temporais de antes. O cristão não apenas
espera um novo céu e uma nova terra, mas já vive de fato, agora, uma nova ordem
de coisas, uma nova criação.
E
embora esta novidade esteja ainda sendo parida, às vezes dolorosamente, na
verdade já está acontecendo plenamente para todos aqueles que vivem em Cristo.
Para eles e elas, para nós, já chegou a plenitude dos tempos. E é o
Espírito Santo, Espírito Criador e vivificador quem realiza e atesta todo este
novo, essas coisas tornadas novas, fazendo de todos novas criaturas.
Maria
Victoria, minha quinta neta, com seu um mês de idade, revela isso de maneira
esplendida e bela. É só olhar para ela que não se pode deixar de
crer que em Deus tudo é renovado e as coisas antigas passam, assim como a
figura deste mundo. É só vê-la dormir, mamar, mexer as perninhas que é
fácil crer na lufada de ar fresco que o Espírito envia sobre toda a humanidade
a cada momento e a cada minuto.
Resta
pedir a Deus que a partir dela e de todas as demonstrações de beleza e
fidelidade que o Criador não para de derramar sobre nós, possamos igualmente
perceber sua novidade, que não passa mesmo quando esta não apresentar o
rostinho redondo, rosado e lindo de Maria Victoria. Pois a primeira coisa
que o Espírito renova, se nós assim o consentirmos humildemente, é nosso olhar,
que passa a ver tudo de uma nova maneira e em nova perspectiva.
Querida
Vicky – Maria Victoria nossa – seja bem-vinda! E continue a dar-nos essas
maravilhosas aulas de teologia com o simples fato de sua existência. Nós
te amamos muito!
Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do departamento de teologia da PUC-Rio. A teóloga é autora de “O mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença”, Editora Rocco.
Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do departamento de teologia da PUC-Rio. A teóloga é autora de “O mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença”, Editora Rocco.
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