Por Marcelo Barros
A proximidade do final do ano leva as tradições
espirituais a pensar no que seria a meta da história, o fim para o qual vivemos
e lutamos. No tempo antigo, essa idéia tomava a imagem de “fim do mundo”.
Vários mitos falam sobre isso. Alguns prevêem um dilúvio que inunda tudo. Outras
imaginam que a terra se acabará pelo fogo. A própria Bíblia, inserida na antiga
cultura judaica, não escapa desse assunto. No Antigo Testamento, os profetas denominam
o “dia do Senhor” o tempo do julgamento final e de um acerto divino sobre a
história. Conforme os evangelhos, Jesus tomou esse tema para um de seus
discursos (Mt 24, Mc 13, Lc 21). As Igrejas antigas lêem esses trechos do
evangelho no começo do “tempo do Advento”, as quatro semanas que antecedem o
Natal. Lidos ao pé da letra, esses textos provocam medo e contêm uma ameaça.
Há quem interprete as guerras e desastres ecológicos
atuais como se tivessem sido previstos na Bíblia. Se tudo está determinado, não
há como se defender. Ao contrário, muitos crentes e não crentes sabem que a
história tem sua autonomia. A presença divina não é para destruir e sim para
renovar.
Com seu senso de humor, Vinícius de Moraes dizia em
uma de suas canções: “Se é para desfazer, por que é que fez?”. Se, por acaso, Deus nos livre, o mundo vier a sofrer um
cataclisma e se acabar, isso acontecerá não por decisão divina e sim por culpa
do ser humano que fabrica artefatos nucleares capazes de destruir a humanidade
e todo o planeta. A destruição do mundo não é projeto de Deus e não foi isso
que as profecias anunciavam. Jesus nunca falou do fim do mundo e sim de um
mundo. Ele profetizou não o fim do planeta terra e sim de um tipo de sociedade dominante
e decadente que tinha mesmo ser vencida. Para quem, naquela sociedade, era
oprimido, o anúncio da destruição daquela velha ordem e a instauração de uma nova
realidade mais justa e amorosa só podia ser uma boa notícia. Era um verdadeiro
evangelho. Por isso, conforme Lucas, Jesus conclui o anúncio do fim daquele
mundo dizendo: “Quando essas coisas começarem a acontecer, levantem-se, ergam a
cabeça e se alegrem, porque é a libertação de vocês que se aproxima” (Lc 21,
28).
Os evangelhos usam as mudanças cósmicas como símbolos
de transformações sociais. Dizem que o sol perderá seu brilho, se fará noite em
pleno dia, a terra tremerá e haverá uma convulsão planetária. Tudo isso para
significar que haverá uma mudança profunda. Conforme os mesmos textos, isso
aconteceu na tarde em que Jesus morreu na cruz. Ao entregar sua vida, Jesus pôs
fim a um mundo antigo e inaugurou um mundo novo. A renovação de toda a criação
começou ali. Ainda não é a instauração definitiva do projeto divino no mundo.
Podemos crer que essa mudança será inexorável, ainda
que atualmente seja imperceptível. O amor
divino inspira, mas não realizará essa transformação estrutural do mundo e da
sociedade sem ser através de nós e de nossa ação solidária e unida. Por isso,
Paulo escreveu aos cristãos de Roma: “Não se conformem com este mundo. Cuidem
de se transformar pela renovação de suas mentes para discernir qual é a vontade
divina, o que é bom, agradável e perfeito” (Rm 12, 2). Essa nossa transformação
interior é como semente e base da transformação do mundo.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos
quais “O Espírito vem pelas Águas",
Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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