Por
Marcelo Barros
O
21 de setembro marca, no hemisfério norte, o começo do outono e no Sul, o
início da primavera. No século XVI, ao
chegarem a Argentina e Paraguai, missionários europeus escreveram suas
impressões: “Aqui é tudo contrário. As estrelas do céu são diferentes e as
estações também. Faz frio no verão e calor no inverno”. Eles pensaram assim porque
olhavam o sul a partir do norte. Durante cinco séculos, essa foi a visão
dominante e ainda é o modo de ver das elites de nossos países. A ciência, a
cultura, a arte e a própria estética sempre foram definidas pelos interesses
das potências do Norte que nos colonizaram e nos impuseram sua forma de ver o
mundo e a vida. Até no modo de vestir, o estilo europeu tornou-se mundial. Agora,
mais de cinco séculos depois, latino-americanos de todos os países do
continente querem se libertar dessa herança colonial e valorizar nosso modo de
ser e de viver. A Telesur é a rede de televisão latino-americana que, a partir
de Caracas, transmite para os países da América do Sul. Esse meio de
comunicação é um forte instrumento na integração de todo o continente como uma
pátria única. Para definir sua linha de programação, ela lançou como lema: “O
nosso norte é o Sul”. É preciso aprofundar as muitas implicações e
consequências que isso pode ter.
Entre
nós, esse início da primavera encontra a natureza confusa diante das agressões
humanas. As estações parecem menos definidas e o renascimento da vegetação
encontra obstáculo no ar carregado de venenos agrícolas. Mesmo assim, em todo o
continente, os movimentos sociais lutam em defesa da mãe Terra, da Água e da
integridade da natureza. E a natureza responde com uma incrível capacidade de
se renovar.
No
plano social e político, muitos países do continente estão vivendo um processo
novo que rompe com os dogmas do
Capitalismo individualista, baseado na concorrência e na competição impiedosa
de uns contra os outros. Ao mesmo tempo, a Venezuela, Bolívia, Equador e outros
países do continente não querem o sistema totalitário dos regimes comunistas
que vigoraram na Europa oriental e na China de Mao Tsé Tung. Apoiam-se na
experiência secular das comunidades indígenas e assumem como meta do Estado proporcionar
o que os índios andinos chamam de Bem Viver para todos os cidadãos e cidadãs. Em cada país, esse novo processo social e
político tem nomes diversos, mas todos têm como meta: 1- libertar-se dos
impérios que nos dominavam, 2- integrar-se com os outros países do continente para
formarmos uma única pátria grande, embora mantendo a autonomia social e
política de cada país e cada povo. 3 – Finalmente, por meios democráticos,
caminhar para uma economia mais justa e solidária. Ora, esses objetivos,
reformulados de modo atual, são praticamente os mesmos que, há mais de 200
anos, Simon Bolívar, o libertador, tinha proposto para toda a América do Sul. Somente
agora, a primavera está chegando.
Nesse
momento em que o povo brasileiro está se preparando para, mais uma vez, votar
em seus representantes, tanto no governo federal, como nos diversos Estados, é
muito importante escolher a pessoa que se comprometa a aprofundar esse caminho de
integração latino-americana que, em uma década, mudou a fisionomia social do
continente. A FAO e outros organismos da ONU declararam oficialmente que, no
mundo, a América Latina foi o único continente, no qual o número de pobres não
aumentou. E os países bolivarianos (Bolívia, Equador e Venezuela) foram os que
mais conseguiram superar as desigualdades sociais. Esse espírito de renovação
que se expressa no novo processo latino-americano quer também contagiar as
Igrejas e religiões. Para a Igreja Católica, há mais de 50 anos, o papa João
XXIII pedia que Deus desse à Igreja uma nova primavera. E essa veio com o
Concílio Vaticano II. Atualmente, com o papa Francisco, esse assunto tem
voltado. No entanto, são as comunidades locais e cada cristão que são
responsáveis por fazer essa primavera eclesial desabrochar e florescer.
Marcelo
Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e
assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades
eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da
ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45
livros publicados no Brasil e em outros países.
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