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terça-feira, 23 de setembro de 2014

“O NOSSO NORTE É O SUL”




Por Marcelo Barros

O 21 de setembro marca, no hemisfério norte, o começo do outono e no Sul, o início da primavera. No século XVI,  ao chegarem a Argentina e Paraguai, missionários europeus escreveram suas impressões: “Aqui é tudo contrário. As estrelas do céu são diferentes e as estações também. Faz frio no verão e calor no inverno”. Eles pensaram assim porque olhavam o sul a partir do norte. Durante cinco séculos, essa foi a visão dominante e ainda é o modo de ver das elites de nossos países. A ciência, a cultura, a arte e a própria estética sempre foram definidas pelos interesses das potências do Norte que nos colonizaram e nos impuseram sua forma de ver o mundo e a vida. Até no modo de vestir, o estilo europeu tornou-se mundial. Agora, mais de cinco séculos depois, latino-americanos de todos os países do continente querem se libertar dessa herança colonial e valorizar nosso modo de ser e de viver. A Telesur é a rede de televisão latino-americana que, a partir de Caracas, transmite para os países da América do Sul. Esse meio de comunicação é um forte instrumento na integração de todo o continente como uma pátria única. Para definir sua linha de programação, ela lançou como lema: “O nosso norte é o Sul”. É preciso aprofundar as muitas implicações e consequências que isso pode ter.

Entre nós, esse início da primavera encontra a natureza confusa diante das agressões humanas. As estações parecem menos definidas e o renascimento da vegetação encontra obstáculo no ar carregado de venenos agrícolas. Mesmo assim, em todo o continente, os movimentos sociais lutam em defesa da mãe Terra, da Água e da integridade da natureza. E a natureza responde com uma incrível capacidade de se renovar.

No plano social e político, muitos países do continente estão vivendo um processo novo que rompe com  os dogmas do Capitalismo individualista, baseado na concorrência e na competição impiedosa de uns contra os outros. Ao mesmo tempo, a Venezuela, Bolívia, Equador e outros países do continente não querem o sistema totalitário dos regimes comunistas que vigoraram na Europa oriental e na China de Mao Tsé Tung. Apoiam-se na experiência secular das comunidades indígenas e assumem como meta do Estado proporcionar o que os índios andinos chamam de Bem Viver para todos os cidadãos e cidadãs.  Em cada país, esse novo processo social e político tem nomes diversos, mas todos têm como meta: 1- libertar-se dos impérios que nos dominavam, 2- integrar-se com os outros países do continente para formarmos uma única pátria grande, embora mantendo a autonomia social e política de cada país e cada povo. 3 – Finalmente, por meios democráticos, caminhar para uma economia mais justa e solidária. Ora, esses objetivos, reformulados de modo atual, são praticamente os mesmos que, há mais de 200 anos, Simon Bolívar, o libertador, tinha proposto para toda a América do Sul. Somente agora, a primavera está chegando.

Nesse momento em que o povo brasileiro está se preparando para, mais uma vez, votar em seus representantes, tanto no governo federal, como nos diversos Estados, é muito importante escolher a pessoa que se comprometa a aprofundar esse caminho de integração latino-americana que, em uma década, mudou a fisionomia social do continente. A FAO e outros organismos da ONU declararam oficialmente que, no mundo, a América Latina foi o único continente, no qual o número de pobres não aumentou. E os países bolivarianos (Bolívia, Equador e Venezuela) foram os que mais conseguiram superar as desigualdades sociais. Esse espírito de renovação que se expressa no novo processo latino-americano quer também contagiar as Igrejas e religiões. Para a Igreja Católica, há mais de 50 anos, o papa João XXIII pedia que Deus desse à Igreja uma nova primavera. E essa veio com o Concílio Vaticano II. Atualmente, com o papa Francisco, esse assunto tem voltado. No entanto, são as comunidades locais e cada cristão que são responsáveis por fazer essa primavera eclesial desabrochar e florescer.


 Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.  


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