por Maria Clara Lucchetti Bingemer
Não, não vou escrever sobre eleições, nem sobre candidatos e candidatas, nem
sobre delação premiada, nem sobre o terrível campeonato de insultos e agressões
em que se converteram as campanhas, ávidas da vitória a qualquer preço. Outros
fazem e farão isso insistentemente, ininterruptamente. Basta. Neste mar
de más notícias e de indigesto clima, quero falar sobre algo belo e comovente:
solidariedade.
Aprendemos no estudo da Antropologia que o ser humano é relacional. Que
só existe e se desenvolve estimulado pela alteridade do outro. É a diferença
desse outro que diz a identidade do um, que por sua vez lhe devolve a
comunicação sobre sua identidade. Assim, o que toca a um toca a todos. O
sofrimento de um é problema de todos. Assim como a alegria de um é motivo
de festa para todos. Não somos solitários e sim solidários.
Mais tocante é ainda a solidariedade quando parte de um coletivo de
jovens. Tanto deploramos o individualismo da juventude hoje, tanto
dizemos como era melhor em nossa época. E eis que nos inteiramos que os
jovens também são sensíveis, também sabem olhar para o outro e simpatizar,
também são capazes de realizar bonitos gestos de solidariedade.
Uma turma de 40 alunos de um colégio de classe média alta carioca, na Barra da
Tijuca, apareceu na sala de aula com novo penteado. Os meninos vinham de
cabeça raspada, as meninas com os cabelos cortados e as mechas decepadas
reunidas em bolsinha levada à mão. Os 14 tufos de cabelo feminino recolhidos já
têm destino certo: o Banco Rosa do Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Qual o motivo desta revolução de
cabeleira que tomou conta do colégio? Não foi moda, nem aposta, nem
trote. Simplesmente amorosa solidariedade a uma professora muito querida. Como
ela em breve terá que despedir-se por um tempo de seus cabelos e como isso
sempre dói na feminilidade de uma mulher, os alunos resolveram mostrar que a
amam mesmo sem cabelo. E para isso abrem mão dos próprios cabelos, a fim
de estar mais próximos dela.
Norma Ribeiro do Carmo, professora de português e literatura, é casada, tem 37
anos e dois filhos. Há pouco mais de um mês, descobriu um nódulo na mama
direita. Os exames mostraram que é positivo. Norma tem câncer, vai tratar-se
e, se Deus quiser, ficará curada. Porém, como todos sabem, essa jornada
da cura do câncer é longa e penosa. E entre as penas está a temida
quimioterapia, que tem vários efeitos colaterais, inclusive a perda dos
cabelos.
Os alunos, que gostam muito dela, prepararam-lhe um café da manhã. E
apareceram com flores, presentes, alegria...e cabelos. Nenhum na cabeça e muito
reunido em bolsinhas para serem doados ao Hospital do Câncer, a fim de fazer
perucas para crianças que estão em tratamento de quimioterapia.
Além da emoção e gratidão da professora, o gesto dos jovens desencadeou outras
manifestações de solidariedade. Cinco professores rasparam igualmente os
cabelos. Norma perdeu o medo e ganhou coragem para enfrentar a
quimioterapia, cortou seus longos cabelos e ficou muito mais animada para os
tempos que virão e para a luta que vai travar contra a doença.
A escola ficou feliz de ver que não passa apenas conteúdos aos alunos, mas
também valores. O gesto dos alunos confirmou a competência desses
educadores em sua difícil missão e os estimulou na árdua tarefa de formar
pessoas. As famílias ficaram orgulhosas de seus filhos. Algumas, que já
viveram casos de câncer, perceberam com grande alegria que seus filhos
assimilaram o que lhes foi transmitido na vivência de tais situações.
Consola o coração saber que se o mal é difusivo, o bem também o é. E um
gesto de solidariedade cai como chuva em terra seca e umedece, fecunda,
aduba. E gera outros gestos e situações solidárias, que por sua vez
gerarão outras.
Cabelos, para que vos quero? Que diferença faz mais ou menos cabelo
quando se trata de apoiar uma jovem e corajosa mulher que está prestes a enfrentar
uma situação difícil e dolorosa? Como não entrar em comunhão com sua dor
e enchê-la de carinho e esperança? O que é uma bela cabeleira em
comparação com isto? Muito pouco, certamente. Bem- aventurados os
alunos do Colégio Carolina Patrício, que entenderam esse princípio básico de
humanidade.
Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora
do Departamento de Teologia da PUC-Rio. A teóloga é autora de “O
mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença”,
Editora Rocco.
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