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quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

A PORTA DO COVEIRO




 Por Assuero Gomes

 
Na cidade em ruínas havia várias portas, que eram como portais. Essas portas ligavam realidades diferentes, porém na mesma dimensão. Era como entrar em uma tentando sair e aparecer na outra. Pois bem, havia a porta do prefeito, do gari, do médico, do padre, do juiz, do engenheiro, da advogada, do pistoleiro, da beata,  da professora e a do coveiro. Havia outras, a bem da verdade, mas essas já dá para se contar essa história.

Quem tentava sair desse lugar sempre retornava por outra porta.

A porta do prefeito era a mais procurada. Indubitavelmente. Quase todo mundo pelo menos uma vez na vida batia lá. Para pedir e algumas vezes para reclamar. Quase nunca eram atendidos. Mas continuava sempre a mais procurada.

A porta do gari era uma porta singela, em contraste com a do prefeito. Uma porta limpa a do gari. Por lá toda sujeira da cidade passava e ninguém notava. Ninguém ia lá, a não ser quando esse entrava em greve e ia bater na porta do prefeito e o lixo se amontoava. A porta do médico ninguém queria visitar, mas pelo menos uma vez na vida, todos passavam por ela. Da porta do prefeito, quando se conseguia entrar se saía sempre. Desanimado e às vezes pela porta dos fundos. Da porta do gari ninguém entrava, então também não se saía. Da porta do médico se entrava a contragosto e se saía às vezes satisfeito, às vezes apreensivo outras vezes não se saía.

A porta do padre, essa era imponente. Majestosa. Era antiga como a cidade, que, aliás, fora surgindo ao redor dessa porta. Alguns habitantes da cidade habitualmente entravam por ela. Entravam pesados e saíam mais leves em todos os sentidos, mas a média de idade deles estava aumentando.  Quanto a porta do juiz, esta era quase inacessível. Ninguém queria ir. Só em última necessidade e geralmente na companhia da advogada. Este sim, tinha uma porta fácil. Construída pelo engenheiro. O engenheiro por sua vez tinha uma porta retangualar, calculada, medida na forma justa. Quando construiu a porta da advogada houve uma querela qualquer.

Quem entrava pela porta do juiz algumas vezes saíam pela porta dos fundos que é gradeada. Demoravam muito e muito para de lá sair. Da porta do engenheiro, ao transpô-la poder-se-ia retornar, estava sempre no mesmo lugar, imutável. Ao se passar pela porta da advogada se ia e se vinha, se entrava e se saía. Se buscava uma preciosidade que se estava preste a se perder.

A porta do pistoleiro era sui generis. Escura. Construída com restos. Sombria. Pouca gente entrava por ela, alguns saíam. Aparentemente mais leves, com um peso invisível que jamais seria descartado. Ao lado estava a porta da beata. Uma porta antiga cheia de santos e amuletos. O interessante era que todas essas portas descritas estavam mesmo numa única rua curvilínea. Quem entrava na porta da beata saía mais leve, mais contente. Mais que qualquer outra, a porta da professora era a mais frequentada. Todos os habitantes daquela cidade estranha haviam passado por ela. Saíam melhores do que entravam.

Assuero Gomes é médico e escritor.


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