Na cidade em ruínas havia várias
portas, que eram como portais. Essas portas ligavam realidades diferentes,
porém na mesma dimensão. Era como entrar em uma tentando sair e aparecer na
outra. Pois bem, havia a porta do prefeito, do gari, do médico, do padre, do
juiz, do engenheiro, da advogada, do pistoleiro, da beata, da professora
e a do coveiro. Havia outras, a bem da verdade, mas essas já dá para se contar
essa história.
Quem tentava sair desse lugar
sempre retornava por outra porta.
A porta do prefeito era a mais
procurada. Indubitavelmente. Quase todo mundo pelo menos uma vez na vida batia
lá. Para pedir e algumas vezes para reclamar. Quase nunca eram atendidos. Mas
continuava sempre a mais procurada.
A porta do gari era uma porta
singela, em contraste com a do prefeito. Uma porta limpa a do gari. Por lá toda
sujeira da cidade passava e ninguém notava. Ninguém ia lá, a não ser quando
esse entrava em greve e ia bater na porta do prefeito e o lixo se amontoava. A
porta do médico ninguém queria visitar, mas pelo menos uma vez na vida, todos
passavam por ela. Da porta do prefeito, quando se conseguia entrar se saía
sempre. Desanimado e às vezes pela porta dos fundos. Da porta do gari ninguém
entrava, então também não se saía. Da porta do médico se entrava a contragosto
e se saía às vezes satisfeito, às vezes apreensivo outras vezes não se saía.
A porta do padre, essa era
imponente. Majestosa. Era antiga como a cidade, que, aliás, fora surgindo ao
redor dessa porta. Alguns habitantes da cidade habitualmente entravam por ela.
Entravam pesados e saíam mais leves em todos os sentidos, mas a média de idade
deles estava aumentando. Quanto a porta do juiz, esta era quase
inacessível. Ninguém queria ir. Só em última necessidade e geralmente na
companhia da advogada. Este sim, tinha uma porta fácil. Construída pelo
engenheiro. O engenheiro por sua vez tinha uma porta retangualar, calculada,
medida na forma justa. Quando construiu a porta da advogada houve uma querela
qualquer.
Quem entrava pela porta do juiz
algumas vezes saíam pela porta dos fundos que é gradeada. Demoravam muito e
muito para de lá sair. Da porta do engenheiro, ao transpô-la poder-se-ia
retornar, estava sempre no mesmo lugar, imutável. Ao se passar pela porta da
advogada se ia e se vinha, se entrava e se saía. Se buscava uma preciosidade
que se estava preste a se perder.
A porta do pistoleiro era sui
generis. Escura. Construída com restos. Sombria. Pouca gente entrava por ela,
alguns saíam. Aparentemente mais leves, com um peso invisível que jamais seria
descartado. Ao lado estava a porta da beata. Uma porta antiga cheia de santos e
amuletos. O interessante era que todas essas portas descritas estavam mesmo
numa única rua curvilínea. Quem entrava na porta da beata saía mais leve, mais
contente. Mais que qualquer outra, a porta da professora era a mais
frequentada. Todos os habitantes daquela cidade estranha haviam passado por
ela. Saíam melhores do que entravam.
Assuero Gomes é médico e escritor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário