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segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

OS HOMENS E AS MULHERES DO CUIDADO DO PREMIER HOSPITAL

por Leonardo Boff

                                         

Quem passa pela Avenida Jurubatuba, 481 na Vila Cordeiro/Brooklin, São Paulo, encontra algo que nos enche de humanidade, de fé e de amor. É o “Premier Hospital/MAIS-Modelo de Atenção Integral à Saúde”. Trata-se de uma entidade que reúne multiprofissionais da saúde, inteiramente dedicados ao atendimento de idosos e idosas e pacientes em cuidados paliativos. Surgiu no Brasil a Academia Nacional de Cuidados Paliativos que acumulou reconhecidos méritos. Mas o Premier Hospital da Vila Cordeiro, seguramente sobressai por sua excelência e pela visão integral e holística que confere ao cuidado, palavra-chave, inspiradora de todos os cuidados. O cuidado é aquele gesto amoroso que acolhe o paciente e lhe confere sossego e paz.

O Dr. Samir Salman é seu superindentende, muçulmano ecumênico, cujo coração é maior que o próprio hospital. Não apenas se preocupa com o cuidado dos enfermos mas com o entorno ecológico, como a praça, os jardins com variegadas flores, a escola vizinha e aberto às necessidades de todo bairro. É secundado pelo jornalista Sérgio Gomes da Oboré, outra entidade que se distingue pelos serviços que presta à comunicação preferentemente de cunho popular, via radio, com ênfase na formação e na complementação universitária para estudantes de jornalismo. É uma pessoa de notório e diversificado saber, e articulada com a sociedade, preso político e torturado mas que não perdeu a ternura para com os humilhados e ofendidos da sociedade.

Uma coisa é escrever a teoria do cuidado como o fiz em dois livros – Saber cuidar: ética do humano-compaixão pela Terra(1999) e o outro O cuidado necesário: na vida, na saúde, na educação, na ecologia, na ética e na espiritualidade (2012). Outra coisa é ver a prática direta do cuidado para com os pacientes. Aí ficamos de fato impactados com o carinho, o amor e a jeito pessoalíssimo de se acercarem dos idosos e idosas, de outras pessoas afetadas por Alsheimer e de doentes terminais.

Aqui se vê em ação a inteligência cordial ou emocional que é mais do que a inteligência intelectual, sempre necessária para a formação científica. Vale dizer, aqui é o reino do cuidado que se traduz por amor, por palavras suaves e consoladoras, por toques que devolvem o sentido humano da relação.

Tocar uma pessoa (com todos os cuidados necessários para evitar bactérias) é mais que um gesto físico. É uma expressão profundamente humana e espiritual. O toque da pele quer comunicar: “você que está ai é meu irmãozinho e minha irmãzinha, você pertence à nossa humanidade, você não estará nunca só porque eu estou aqui para te acompanhar”.

Passei por muitos quartos, conversei com muitos pacientes, tomando-lhes as mãos e fazendo-os rir, ao apresentar-me, por causa de minha barba, como o “irmão do Papai Noel” que os visitava antes do Natal. Com D. Iolanda Leone, uma velhinha de 85 anos e olhos brilhantes cantamos juntos várias canções em vêneto que tanto ela com eu conhecíamos quando crianças. Segurava-me a mão e não queria que partisse.

Não quero esquecer entre tantos e tantas médicos e médicos como a médica Angélica Massako Yamaguchi sempre pronta a atender pouco importa a que horas do dia e da noite e outros enfermeiros e enfermeiras e auxiliares.

Pela tarde fizemos uma roda de conversa com o pessoal do Premier Hospital. Tentei mostrar-lhe que eles não apenas cuidam da vida das pessoas afetadas mas que devem se abrir ao cuidado da vida da Mãe Terra, pois todos somos filhos e filhas queridos dela, melhor ainda, somos a própria Terra que sente e ama e que agora sofre com febre alta devido às agressões irresponsáveis dos que somente pensam acumular sem cuidar da natureza. Eles são cuidadores e cuidadoras de toda a vida em sua esplêndida diversidade. Prova disso são as flores, os jardins e praças que o hospital assumiu cuidar.

Tudo terminou no dia 13 de dezembro conferindo-me o Prêmio Averroes –Pioneiro e Compartilhador – no auditório Ibirapuera Oscar Niemeyer. Nem todos sabem da importância de Averroes da Andaluzia (1126-1198). Muçulmano, foi o grande comentador de Aristóteles, um sábio que dominava todos os saberes de seu tempo, fazendo-os culminar na medicina como promoção plena da vida. Os medievais como os discípulos de Tomás de Aquino o visitavam pois se haviam perdidos os textos dos clássicos gregos como Aristóteles e Platão que foram conservados por eles e estão na base da Escolástica medieval. Dizia-se que Averroes chegou ”a um supremo grau de perfeição, acessível ao mundo material”. Há os que o consideram o “pai espiritual da Europa”.

A cerimônia da entrega do belo trofeu com o nome de Averroes escrito em árabe, hebraico e latim, das três religiões que conviviam ecumenicamente. Houve um belíssimo concerto com orquestra, com o Coro Luther Kng e o Coral Paulistano Mario de Andrade executando trechos da obra O Messias de Haendel, dirigido pelo maestro Martinho Lutero Galati. Deu inteligentes explicações de cada parte. Não dirigia apenas com a vareta, mas todo o seu corpo vibrava com a música. Os dois coros se superavam mutuamente na beleza das vozes.

Nos três dias em que convivi com os mantenedores do Premier Hospital senti a força da fé na pessoa humana, do amor incondicional, da hospitalidade calorosa mas principalmente do cuidado essencial. A Mãe Terra não nos dá apenas sinais de dores, mas também de esperança e de futuro. Enquanto houver o cuidado que encontrei naquele hospital percebemos: nem tudo está perido. Há ainda salvação.

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