Por Marcelo Barros
Hoje, a juventude parece
mais autêntica e avessa a convenções do que em outros tempos. No entanto, a
sociedade dominante é muito envolvente e mexe na imagem social das pessoas.
Quem tem fé acredita no Espírito Santo. Ele inspira e impulsiona quem segue o
caminho da justiça e da paz. Do outro lado, o sistema do mundo consumista
também tem um espírito sedutor. Ele envolve os jovens, principalmente quando se
trata das fantasias que cercam uma boa e bela festa de casamento. Aí, com raras
exceções, o espírito que move a sociedade dominante inspira e os/as jovens
embarcam na fantasia, como se o romantismo que, em si, é bom, precisasse do
estilo da corte do rei Luiz XIV para se expressar.
O tal ritual começa
pela contratação de um cerimonial. O/a chefe desse cerimonial será mais
importante do que o padre que celebrará e do que o próprio casal de noivos que
lhe obedecerão em cada momento do show. Por isso, as pessoas que comandam o
cerimonial virão todas de preto, como se fosse para um funeral. Também contratam
um pelotão de fotógrafos, armados para preparar o mais importante de tudo: o
álbum de fotografias e o DVD da cerimônia.
O mesmo espírito
consumista revela que a maioria dos/as convidados/as se liga mesmo na recepção
e no bufê. Mesmo sendo gente muito bem alimentada não dispensa o comer e beber.
Por isso, casamento que se preze deve contratar uma casa de eventos com
estrutura apropriada. De preferência, se escolha uma que tenha salão ornamentado
como um palácio de espelhos, ou suntuosa tenda de sheik árabe. O roteiro do
show é sempre o mesmo e dispensa qualquer inteligência crítica. No entanto, “noblesse
oblige”, faz parte do ritual, escolher também uma Igreja e enfrentar a chatice
de um rito religioso. Mesmo se, para a maioria dos noivos, a cerimônia
religiosa não acrescenta nada, ao menos serve como cenário do desfile. E como é
uma vez na vida, não faz mal a ninguém. Em muitos casos, os noivos nunca
entraram em uma Igreja, a não ser no casamento de algum amigo, ou quando eram
criancinhas e, sem terem culpa, a convenção social os levou para serem
batizados/as. No entanto, o casamento na Igreja faz parte do protocolo. Apesar
de, quase sempre, ser uma cerimônia maçante e sem graça, pode render boas
fotografias. O importante é que seja organizado de forma a deixar claro que qualquer
semelhança com a realidade é mera coincidência. Com relação a isso, os padres não
precisam se preocupar. Mesmo se, como, uma vez ou outra soe acontecer, o
celebrante apenas repita fórmulas de outros tempos, que não dizem nada às
pessoas da geração atual, o mestre do cerimonial e seus assessores garantem
piorar. Afinal, são pagos para, se possível, tornar tudo mais medíocre e
artificial.
Os músicos ou
cantores garantem a trilha sonora da entrada dos convidados. O repertório é
sempre rico. De preferência: “Over the raimbow” nos transportará para a
fantástica terra do mágico de Oz. Pode ser também o “tema de Lara”. Ou outros musicais
americanos das décadas douradas. Quando o carro da noiva chega à porta do
templo, os músicos tocam outra melodia romântica e o cerimonial dá início ao
desfile de modas. Passo a passo, do fundo do templo, transformado em passarela
de circo, surge o primeiro casal de testemunhas. Vestidos com a maior
formalidade, um homem e uma mulher, reunidos pelo cerimonial como casal apenas para
essa circunstância, caminham lentamente e, a cada passo, posam para os fotógrafos.
Só quando os dois tomam acento no lugar a eles reservado, entra o casal
seguinte. O cerimonial não deve
preocupar-se com tempo. Afinal, estamos no século XIX, em que os relógios
marcham em outro ritmo. Quando todos os casais, gentis e sorridentes, estiverem
em seus lugares, entra o noivo, de braços com a mãe. Ao som de outra música
romântica (já houve casos de, inocentemente,
solarem os acordes da bela trilha do “Poderoso Chefão”), o noivo percorre a
passarela até chegar ao altar, onde o cerimonial o põe na melhor posição para as
fotos. É então, o momento da máxima emoção. As portas da Igreja, que tinham
sido fechadas, se abrem para a noiva entrar. Muitas moças esperam a vida
inteira por esse desfile de princesa de contos de fada que, por acaso, é revivido
em uma Igreja Católica. Antecedendo à noiva, vem um pequeno cortejo de damas de
honra, em geral, crianças que, desde cedo, são preparadas para também sonhar
com o desfile hollywoodiano. Toda breguice será abençoada. A moça é conduzida
por seu pai e por ele entregue ao novo protetor: seu futuro esposo. Um homem entrega
a mulher a outro homem. Qualquer feminismo que pense o casal em termos de
igualdade deve esperar um cerimonial diferente. Pelo momento, domina a cultura
patriarcal. Afinal, se se veste a noiva de princesa medieval ou cortesã das mil e umas noites, para que outro
simbolismo?
Quando a cerimônia
religiosa começa, o padre percebe que sua parte parece importante, mas é mero apêndice
do desfile e da sucessão de fotos que se seguirão. Se o celebrante atrair demais
a atenção dos noivos e convidados, os fotógrafos e pessoal do cerimonial ficam
encarregados de agir. A cada momento, passam diante do altar, ajeitam a cauda
do vestido da noiva e, de vez em quando, lembram aos dois que estão ali para
posar. Mas, quando o padre declama o Amém final à bênção que ele próprio leu no
ritual, uma voz no céu sussurra: “E dizem que toda essa encenação é em nome do
Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Coitado de Deus.
Marcelo
Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e
assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades
eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da
ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45
livros publicados no Brasil e em outros países.
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