Por Marcelo Barros
A cada ano, as
Igrejas cristãs mais antigas dedicam as semanas antes do Natal a cultivar a
expectativa da realização do projeto divino no mundo. Lembrar o nascimento de
Jesus na festa do Natal é um modo de afirmar que a promessa feita por Deus de
um mundo renovado pela justiça e pela paz é atual e possível. Ele se realiza
por iniciativa divina, mas através de nós. Por nosso modo de viver, devemos testemunhar
que ele vem e podemos apontar sinais concretos de sua vinda. É claro que isso
pede de nós sermos capazes de ver sinais da madrugada que vem mesmo na mais
escura das noites.
No tempo da
ditadura brasileira, Geraldo Vandré cantava: “Quem sabe faz a hora. Não espera
acontecer”. Ele tinha razão em rejeitar uma esperança passiva e acomodada de
quem, passivamente, espera que, por si mesmas, as coisas aconteçam. Não é essa
a perspectiva da fé cristã. Menos ainda a nossa forma de viver esse tempo de
espera, ao qual, cada ano, a celebração do Natal nos convida. Desde
antigamente, as Igrejas denominam as semanas anteriores ao Natal de tempo do
Advento. Em latim, advento significa “vinda”. Conota um modo de esperar muito
particular. Propõe aguardarmos a realização do projeto divino no mundo, do
mesmo modo como, a cada noite, o guarda noturno espera ansiosamente que o dia
desponte. Essa espera vigilante é ativa e colabora para que o dia nasça em paz.
Como a tradição cristã acentua que é a manifestação da presença de Jesus que
marcará a chegada definitiva do reinado divino, os evangelhos nos convidam a
esperá-lo como servos que aguardam, preparados e atentos, a vinda do Senhor.
Até hoje, há
cristãos que reduzem o Natal a uma memória sentimental do nascimento do menino
Jesus. Nunca foi essa a perspectiva pela qual as Igrejas celebraram o Natal. Os
antigos pastores ensinavam que não adianta lembrar o nascimento de Jesus em
Belém se, hoje, não fizermos do nosso ser interior um presépio para acolher não
apenas o menino Jesus, mas o projeto pelo qual, um dia, ele nasceu nesse mundo.
Para isso, é preciso que leiamos a nossa fé e interpretemos toda a Bíblia como
revelação desse projeto. Há cristãos que se mantêm na fé por costume ou por
conveniência religiosa. Apesar de serem pessoas religiosas, não veem claro esse
projeto divino em suas vidas. Por causa disso, muitas vezes, não têm clara a
sua missão no mundo. Falta-lhes um motivo maior pelo qual viver. Ao mesmo
tempo, há pessoas não religiosas que não creem em Deus e, de algum modo,
descobrem em suas vidas, esse projeto de paz, justiça e cuidado amoroso da
natureza.
As Igrejas cristãs
celebram o Natal no mesmo mês em que as sinagogas judaicas recordam a festa de
Hanuká, aniversário da dedicação do templo de Jerusalém e da retomada da
independência do povo de Deus no tempo dos Macabeus. Provavelmente, foi durante
essa festa que, um dia, Jesus foi ao templo e chocou os sacerdotes e pessoas
religiosas. Expulsou dali os vendedores de animais para os sacrifícios. Fez
isso para mostrar que Deus não precisa de templos, nem de sacrifícios
religiosos.
Tanto a tradição
cristã quanto outros caminhos religiosos ensinam que o templo da presença divina
no mundo é todo ser vivo e todo o universo como sinal de uma inteligência
amorosa que conduz cada ser à vida e a tudo governa. A memória do nascimento de
Jesus de Nazaré na festa do Natal não é apenas para enganarmos nossa solidão
com um aumento do consumo, mas para armarmos um presépio vivo em nosso coração
e vermos todo o universo como templo vivo da presença divina no mundo.
Marcelo
Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e
assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades
eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da
ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45
livros publicados no Brasil e em outros países.
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