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quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

ANO NOVO, VIDA NOVA



 Por Marcelo Barros


Todas as culturas humanas festejam a passagem do tempo. Antigamente, o ano novo era marcado pelo reinício do ciclo agrícola. Atualmente, a maioria da humanidade segue o calendário ocidental e festeja o ano novo no dia 1o de janeiro. Mesmo os povos do sul onde o solstício do inverno ocorre em junho e não em dezembro, se unem aos povos do norte para comemorar juntos a mudança de ano. Também grupos que têm calendários próprios, como os judeus, islamitas, chineses e outros, se unem à maioria e também fazem festas no início de janeiro. 

A mudança do tempo traz a nós o desejo de mudar. O ano novo é desejado como tempo novo. Em muitas culturas, os ritos de ano novo sugerem que as pessoas renovem suas vidas. Na noite de ano novo, as pessoas vão ao mar ou a rios para iniciar o primeiro minuto do novo ano com um banho de renovação interior. Há povos nos quais o costume é queimar as roupas usadas e vestir roupa nova para indicar que se quer ser pessoas renovadas. Em todas as culturas e nas mais diversas religiões, a novidade exerce uma profunda e misteriosa atração. Tudo o que é novo desperta interesse. Isso revela uma vocação do ser humano para se renovar permanentemente. No entanto, os ritos podem expressar o desejo, mas não podem por si só realizar mudanças. O que faz o tempo ser fecundo de algo novo é o amor. Precisamos viver a generosidade, a solidariedade e a partilha de vida para que o nosso desejo de que o mundo caminhe para melhor se torna verdadeiramente eficaz. Sozinhos, não podemos mudar estruturas políticas baseadas em leis estruturais. No entanto, podemos contribuir para que se criem as condições necessárias para transformar leis e sistemas e tornar o mundo mais justo e fraterno. 

Os cristãos costumam falar em “ano da graça de 2015”. Isso revela que o mais importante não é a contagem quantitativa do tempo, mas a sua densidade. A regra beneditina ensina aos monges que o tempo nos é dado como “um prazo a mais para a nossa conversão”. Podemos acolher o ano novo com esse sentido: um tempo que nos é dado para nossa conversão interior. Paulo escreveu à comunidade cristã de Roma:  “a escuridão da noite quase passou e o dia está chegando. Devemos, então, ser como quem desperta na madrugada e organiza sua vida não a partir da experiência da escuridão da noite e sim como quem vive à luz do dia (Rm 13, 13). 

Acolher o ano novo como um tempo de mais luz em nossas vidas significa colher as sementes de bondade espalhadas na terra durante o ano passado e garantir que sejam semeados novos brotos de paz e justiça. É importante que esse ano novo seja para todos nós um tempo de profunda renovação de vida. É preciso que isso repercuta também para as pessoas ao nosso redor e para todo o universo. Assim, a luz se espalhará e tudo será mais novo. Para que isso seja possível, refaçamos agora o compromisso de, a cada dia desse novo ano, consagrar um tempo, por mínimo que seja, de gratuidade e interioridade para renovar um diálogo verdadeiro e profundo, cada um/uma consigo mesmo/a e  comprometer-se profundamente em ser cada vez mais uma pessoa de diálogo com os outros, inclusive com aquelas pessoas que pensam e agem a partir de valores que não são os nossos e com as quais temos dificuldade. O diálogo mais fecundo é justamente com os que pensam e atuam diferentemente de nós. Além disso, procuremos de todos os modos intensificar a comunhão solidária com a terra, a água e todos os seres vivos do planeta. Assim, a bênção deste ano novo se realizará em cada um/uma de nós e no mundo inteiro. Então, todos poderemos constatar como se tornarão verdadeiras e fecundas em nossa vida as palavras da antiga bênção irlandesa: “O vento sopre leve em teus ombros. Que o sol brilhe cálido sobre tua face, as chuvas caiam serenas onde moras. E até que, de novo, eu te veja, que Deus te guarde na palma da sua mão”.


 Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.

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