Por Marcelo Barros
Todas as culturas humanas
festejam a passagem do tempo. Antigamente, o ano novo era marcado pelo reinício
do ciclo agrícola. Atualmente, a maioria da humanidade segue o calendário
ocidental e festeja o ano novo no dia 1o de janeiro. Mesmo os povos do sul onde
o solstício do inverno ocorre em junho e não em dezembro, se unem aos povos do
norte para comemorar juntos a mudança de ano. Também grupos que têm calendários
próprios, como os judeus, islamitas, chineses e outros, se unem à maioria e também
fazem festas no início de janeiro.
A mudança do tempo traz a
nós o desejo de mudar. O ano novo é desejado como tempo novo. Em muitas
culturas, os ritos de ano novo sugerem que as pessoas renovem suas vidas. Na
noite de ano novo, as pessoas vão ao mar ou a rios para iniciar o primeiro
minuto do novo ano com um banho de renovação interior. Há povos nos quais o
costume é queimar as roupas usadas e vestir roupa nova para indicar que se quer
ser pessoas renovadas. Em todas as culturas e nas mais diversas religiões, a
novidade exerce uma profunda e misteriosa atração. Tudo o que é novo desperta
interesse. Isso revela uma vocação do ser humano para se renovar
permanentemente. No entanto, os ritos podem expressar o desejo, mas não podem por
si só realizar mudanças. O que faz o tempo ser fecundo de algo novo é o amor. Precisamos
viver a generosidade, a solidariedade e a partilha de vida para que o nosso
desejo de que o mundo caminhe para melhor se torna verdadeiramente eficaz.
Sozinhos, não podemos mudar estruturas políticas baseadas em leis estruturais.
No entanto, podemos contribuir para que se criem as condições necessárias para
transformar leis e sistemas e tornar o mundo mais justo e fraterno.
Os cristãos costumam falar
em “ano da graça de 2015”. Isso revela que o mais importante não é a contagem
quantitativa do tempo, mas a sua densidade. A regra beneditina ensina aos
monges que o tempo nos é dado como “um prazo a mais para a nossa conversão”. Podemos
acolher o ano novo com esse sentido: um tempo que nos é dado para nossa
conversão interior. Paulo escreveu à comunidade cristã de Roma: “a escuridão da noite quase passou e o dia
está chegando. Devemos, então, ser como quem desperta na madrugada e organiza
sua vida não a partir da experiência da escuridão da noite e sim como quem vive
à luz do dia (Rm 13, 13).
Acolher o ano novo como um
tempo de mais luz em nossas vidas significa colher as sementes de bondade
espalhadas na terra durante o ano passado e garantir que sejam semeados novos
brotos de paz e justiça. É importante que esse ano novo seja para todos nós um
tempo de profunda renovação de vida. É preciso que isso repercuta também para
as pessoas ao nosso redor e para todo o universo. Assim, a luz se espalhará e
tudo será mais novo. Para que isso seja possível, refaçamos agora o compromisso
de, a cada dia desse novo ano, consagrar um tempo, por mínimo que seja, de
gratuidade e interioridade para renovar um diálogo verdadeiro e profundo, cada
um/uma consigo mesmo/a e comprometer-se profundamente
em ser cada vez mais uma pessoa de diálogo com os outros, inclusive com aquelas
pessoas que pensam e agem a partir de valores que não são os nossos e com as
quais temos dificuldade. O diálogo mais fecundo é justamente com os que pensam
e atuam diferentemente de nós. Além disso, procuremos de todos os modos
intensificar a comunhão solidária com a terra, a água e todos os seres vivos do
planeta. Assim, a bênção deste ano novo se realizará em cada um/uma de nós e no
mundo inteiro. Então, todos poderemos constatar como se tornarão verdadeiras e
fecundas em nossa vida as palavras da antiga bênção irlandesa: “O vento sopre
leve em teus ombros. Que o sol brilhe cálido sobre tua face, as chuvas caiam
serenas onde moras. E até que, de novo, eu te veja, que Deus te guarde na palma
da sua mão”.
Marcelo
Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e
assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades
eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da
ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45
livros publicados no Brasil e em outros países.
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