por Marcelo Barros
No mundo inteiro há um surto de intolerância e
discriminação contra grupos culturais e religiosos diferentes da cultura
dominante. Nesses dias, os atentados terroristas de Paris não recebem da
sociedade uma resposta na direção contrária ao que eles propõem. Ao contrário,
as manifestações de massa parecem falar a mesma linguagem do ódio e não
distinguir grupos extremistas e a religião islâmica. No Brasil, a cada dia, se
registram casos de discriminações e perseguições a alguns grupos religiosos,
principalmente, comunidades das religiões afrodescendentes. Apesar da
Constituição Brasileira defender a liberdade de culto para todas as religiões,
ainda existem programas de rádio e televisão nos quais se prega a intolerância
e se combatem os cultos afro. Esses ataques e atos de violência religiosa não
são praticados por ateus dogmáticos, contrários à religião. São cometidos por
grupos que se dizem cristãos e agem em nome de Deus.
Apoiam-se em uma leitura
ao pé da letra e fanática de certos textos bíblicos para justificar uma imagem
de Deus cruel, violento e intolerante. Ainda bem que, até aqui, esses grupos
neopentecostais e católicos de linha carismática não descobriram ainda que os
mesmos livros da Bíblia que manda perseguir e destruir cultos de outros grupos
manda também apedrejar mulheres adúlteras, pessoas que transem com animais ou
simplesmente que não respeitem o sábado. O que eles farão quando descobrirem que
as mesmas leis bíblicas que condenam outros cultos permitem a escravidão de
estrangeiros e mandam vender pessoas como escravas para saldar dívidas não
pagas? Será que, em pleno século XXI, quererão praticar essas leis culturais da
Ásia antiga?
Em outras épocas, quase todas as Igrejas históricas condenavam
hereges à morte. Também queimavam na fogueira mulheres consideradas feiticeiras
ou bruxas e pessoas que praticassem formas de sexo não aprovadas pela Igreja.
Durante séculos, a Igreja Católica se proclamou como a única religião
verdadeira e sistematicamente combatia as outras. Somente há 50 anos, em 1965,
ao concluir o Concílio Vaticano II que, em Roma, reuniu todos os bispos do
mundo, a Igreja Católica publicou a declaração Nostra Aetate que reconhece o
valor das outras religiões e incentiva os fieis a valorizar o diferente e
praticar o diálogo. Da parte das outras Igrejas, um pouco antes, em 1961, o
Conselho Mundial de Igrejas, que reúne mais de 340 confissões evangélicas e
ortodoxas, em sua assembleia geral em Nova Dehli, pediu às Igrejas-membros uma
atitude de respeito e diálogo com todas as culturas e colaboração com outras
tradições religiosas.
Nas últimas décadas, em diálogo com a humanidade,
muitos cristãos descobriram como critério da fé o que apóstolo Paulo escreveu
ao grupo de Corinto: “Deus nos fez servidores de uma nova aliança, não da letra
da lei, mas do espírito, porque a letra mata e o espírito é quem faz viver” (2
Cor 3, 6). E ao grupo dos adeptos de Roma, Paulo escreveu: “Assim, sirvamos a
Deus, na novidade do Espírito e não na velhice da lei”(Rm 7, 6). Do mesmo modo,
a imagem que Jesus transmite de Deus é a de um paizinho carinhoso que “faz
nascer o sol sobre os bons, mas também sobre os maus e faz chover sobre quem é
justo e quem é injusto” (Mt 5, 45).
No mundo atual, por
causa das migrações e da comunicação global, a diversidade religiosa é um fato que,
queiramos ou não, se impõe à humanidade. Alguns consideram negativo o fato de
haver muitas religiões. No entanto, ao contrário, é uma graça divina e uma
bênção que enriquece a todos/as. A diversidade cultural e religiosa faz com que
os diferentes caminhos espirituais possam se complementar e se enriquecer
mutuamente. Faz com que cada grupo reconheça os elementos de verdade que existem
em outros grupos e se abram ao que Deus
revela a cada um, não somente a partir da sua própria tradição, mas também através
dos outros caminhos religiosos. Para essa abertura pluralista e para o diálogo
daí decorrente vale o que, no século IV, dizia Santo Agostinho: “Apontem-me
alguém que ame e ele sente o que estou dizendo. Deem-me alguém que deseje, que
caminhe neste deserto, alguém que tenha sede e suspira pela fonte da vida.
Mostre-me esta pessoa e ela saberá o que quero dizer” [1].
Marcelo
Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e
assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades
eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da
ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45
livros publicados no Brasil e em outros países
[1] -
AGOSTINHO, Tratado sobre o Evangelho de João 26, 4. Cit. por Connaissance des Pères de l’Église32-
dez. 1988, capa.
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