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quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O FIO DA MEADA


por Frei Betto


       O ataque terrorista ao jornal “Charlie Hebdo” não foi apenas um gesto tresloucado de dois jovens franceses de fé muçulmana. Ele se origina em um dos últimos capítulos da Guerra Fria: a ocupação do Afeganistão pelos soviéticos (1979-1989). Em 1979, um golpe de Estado levou ao poder afegãos pró-soviéticos.
       Zbigniew Brzezinsky, responsável pela Segurança Nacional dos EUA na gestão Jimmy Carter, viu na ocupação soviética excelente oportunidade de colocar em prática seu mirabolante plano para rechaçá-la e instalar um governo pró-EUA: incrementar o fanatismo religioso contra os “comunistas ateus”.
       Havia alternativas, como grupos nacionalistas afegãos, laicos, que se opunham a Moscou. Porém, a Casa Branca preferiu chocar o ovo da serpente e patrocinar os grupos fundamentalistas reunidos na Aliança Islâmica do Mujahedin (combatente) Afegão, que reagia indignada aos propósitos da infiel modernização soviética, como permitir às meninas acesso à escola...
       Agentes da CIA passaram a incentivar a jihad (guerra santa) contra os soviéticos. A Arábia Saudita, aliada da Casa Branca, se dispôs a doar US$ 20 bilhões para a cruzada da Aliança Islâmica treinar seus fanáticos guerrilheiros e armá-los inclusive com mísseis anti-helicópteros. A CIA desembolsou mais US$ 20 bilhões. Assim, lograriam expulsar os “comunistas ateus” e levar ao poder um governo aliado dos EUA.
       George Bush pai era, desde os anos 60, amigo íntimo de um saudita do ramo da construção: Muhammad Bin Laden, pai de Osama. Após o Afeganistão ser invadido pelos russos, ele propôs ao amigo que seu filho trabalhasse para a CIA, na Arábia Saudita, disfarçado de monitor da ONG Blessed Relief. Logo, o jovem Osama, de 23 anos, foi transferido para Cabul, entusiasmado com a jihad financiada pelos EUA. Através de sua ONG, atraiu 4 mil voluntários sauditas que, no Afeganistão, foram incorporados à Aliança Islâmica – berço do Taliban e, a médio prazo, do Estado Islâmico.
       A queda do Muro de Berlim e o esfacelamento da União Soviética apressaram a saída das tropas de Moscou do Afeganistão. Porém, os 4 mil voluntários sauditas, ao retornarem a seu país de origem, já não se readaptaram à vida civil. Sem formação política, haviam sido transformados em “máquinas de matar”.
        O rei Fahd ainda tentou cooptar o jovem rebelde Osama Bin Laden. Nomeou-o conselheiro real. Mas ele retornara encantado com a jihad, obcecado em combater os infiéis. No ano seguinte, foi expulso da Arábia Saudita. E em 1996 declarou a jihad contra os EUA.
       Os atos terroristas contra o “Charlie Hebdo” e o supermercado judaico resultaram da política equivocada dos EUA e da Europa Ocidental no Oriente Médio.
       Em 2003, Geoge W. Bush invadiu o Iraque sob pretexto de armas de destruição em massa e alinhamento com Bin Laden. Ao terminar a guerra, os xiitas tomaram o poder no Iraque, para decepção dos EUA, que preferiam os sunitas. Passam, então, a estimular os sunitas a derrubarem os xiitas, também influentes na Síria.
       O gênio escapou da garrafa: os sunitas formaram o Estado Islâmico. O EI agora domina parte da Síria e do Iraque e oferece ao mercado petróleo bem mais barato, angariando uma fortuna.
       Diante do terror, todas as atitudes segregadoras, da islamofobia à “guerra infinita”, são inúteis. O terror é imprevisível. E continuará a sê-lo, enquanto o Ocidente acreditar que a paz resultará da imposição das armas, e não como fruto da justiça e do reconhecimento de que a diversidade de ideias e crenças é um direito - e merece respeito.

Frei Betto é escritor, autor de “Fome de Deus” (Paralela), entre outros livros.
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