por Maria Clara Bingemer,
professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio
Na
madrugada de sábado para domingo próximo passado, a esperança foi assassinada
com um único tiro, no peito. Marco Archer, o traficante brasileiro preso
há 11 anos na Indonésia, devido ao porte de 13 quilos de cocaína escondidos
numa asa delta, foi executado. Fuzilado e morto com um único tiro no
peito.
Foram
ignorados apelos do governo brasileiro, inclusive uma ligação pessoal da
presidente Dilma Rousseff, em que pedia clemência não apenas como chefe de
Estado, mas como mãe. De nada adiantou a intervenção do chanceler
brasileiro, de todas as autoridades e pessoas de prestígio. Tampouco os
argumentos que mostravam a contradição em que caía o mesmo governo da
Indonésia, que, ao mesmo tempo em que mostrava rigidez e inflexibilidade para
Marco Archer, pedia clemência para uma mulher indonésia condenada à morte por
homicídio na Arábia Saudita. “É claro que isso é uma gritante contradição.
Uma
outra questão, no caso da Indonésia em particular, que vale a pena chamar a
atenção, é que crimes muito mais graves, como atentados que mataram dezenas de
pessoas, os responsáveis por esses atos foram condenadas a 20 anos, 20 e poucos
anos de prisão, e não à morte”, ressalta Átila Roque, diretor executivo da
Anistia Internacional.
Roque
ressalta ainda que “a soberania não é um conceito absoluto, ela dialoga com os
tratados internacionais, com os princípios acordados por diferentes pactos em
relação aos direitos humanos”.
Parece-me que aqui está o ponto
fulcral da questão. A soberania de um estado ou de um país não é um
conceito absoluto. Ela é, sim, relativa diante do grande absoluto que é a
vida e o direito à vida, o direito humano maior e primeiro, primeiríssimo. A
lei existe para que a comunidade humana possa conviver. No entanto,
existem casos em que a lei deve passar a segundo plano e ceder lugar a outros critérios.
E a vida do outro é o critério maior.
Em
princípio, a pena de morte não deveria jamais ser julgada lícita ou
pertinente. Pois, quem tem o direito de acabar com a vida alheia?
Quem tem autoridade para pôr fim a um dom dado por Deus, do qual Ele é o único
e absoluto Senhor? Deve, sim, haver penas mais fortes ou mais brandas para quem
atenta contra os direitos humanos fundamentais, contra a segurança dos outros,
contra a paz etc. Mas jamais ser considerado lícito acabar com a vida
seja por que meio for.
Em
primeiro lugar, empregando-se a pena de morte, nega-se ao condenado ou
condenada a chance do arrependimento ou reabilitação. Nega-se o tempo de que
necessita para refletir sobre o que fez, arrepender-se, fazer o propósito
de mudar de vida e demonstrar à sociedade que lesou que é capaz de cumprir seus
propósitos. Isso é algo que todo ser humano deveria ter a seu alcance. No
caso de Marco Archer, após onze anos de agônica prisão, esperando a cada dia, a
cada hora, a cada minuto a definitiva sentença que decretaria sua morte e
marcaria dia e hora precisos, houve essa reflexão e esse arrependimento. Em
vídeo gravado por um companheiro, ele declarou desejar voltar ao Brasil, seu
país, para se dedicar a conscientizar os jovens sobre os malefícios do uso de
drogas.
Morto,
não pode fazer nada, e os jovens ficarão privados do testemunho de alguém que
traficou drogas, ganhou dinheiro com isso, viveu a experiência dramática de ser
preso em país estrangeiro, ali ficar por 11 anos e receber novamente a chance
da vida para dar-lhe novo rumo e novo sentido. Marco Archer está morto,
seu corpo cremado e suas cinzas voltarão ao Brasil, para que a família lhes dê
o destino que lhe pareça.
Na
Indonésia, o presidente continuará, segundo declarou, fuzilando cinco
traficantes ao mês. A cada mês, cinco vidas serão extintas por haverem
traficado drogas. É claro que o tráfico de drogas é crime e muito grave.
Deve ser punido severamente. Mas jamais, nunca se justificará puni-lo com
a pena capital, em que a vida do outro é subnivelada como se coisa fosse e não
valor sagrado e infinitamente valioso. É desproporcional a dimensão do
castigo e do delito. A simetria da lei não dá nem pode dar conta do que é
uma vida humana que pode se regenerar e reabilitar.
Marco
Archer já foi fuzilado, por ele nada mais se pode fazer a não ser desejar que
descanse em paz. Mas a obrigação permanece de agir em duas frentes: seja
lutando contra as drogas, seu consumo e seu tráfico, seja lutando diligentemente
contra a instituição da pena de morte. A vida do outro não pertence a
ninguém, seja pessoa física, jurídica ou instituição. Ela pertence a
Deus, que é fonte de vida e não de morte e que a todos os seus filhos perdoa,
acolhe e faz viver, sejam quais forem os delitos que houverem cometido.
A teóloga é autora de “Simone
Weil – Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc)
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