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quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

BRASIL EM 2015



por Marcelo Barros


Mestres espirituais das religiões afrodescendentes já consultaram os 16 búzios e puderam revelar o que os Orixás determinaram para esse ano novo. Também bruxos e cartomantes já fizeram suas previsões. Na espiritualidade do Capitalismo que adora o deus-dinheiro, economistas preveem como estará o mercado nesse ano novo. Também, políticos fazem previsões e esperam um ano cheio de tensões e desafios. De imediato, nesse ano novo, a sociedade civil brasileira tem vários desafios. Os meios de comunicação que influenciam a opinião pública continuam a transformar em espetáculo qualquer notícia escabrosa. Apresentam a realidade nacional como se tudo fosse negativo. As pessoas conscientes sabem que, atualmente, se fala mais de corrupção não porque, agora, a corrupção seja maior do que sempre foi e sim porque agora a limpeza começa a ser feita. Quando se mexe no lixo, o mau cheiro se espalha. Os problemas de corrupção na Petrobrás e as negociações obscuras das empreiteiras e construtoras que mandam no país ocorrem pelo menos desde os anos 90. Sobre isso, se o ex-ministro Sérgio Motta, que Deus o tenha no céu, pudesse falar, teria muita coisa a dizer. E muitos dos políticos vivos que, hoje, pousam de vestais, estariam sentados no banco dos réus.

No primeiro dia desse ano, a presidenta Dilma iniciou um novo mandato. Quando foi diplomada em dezembro, afirmou: “É mais difícil saber vencer do que saber perder”. Isso revela que ela tem consciência dos desafios que tem pela frente. Para governar o Brasil atual, precisa de muita coragem e determinação. Não porque o Brasil esteja pior do que antes. A dificuldade maior é que muitos dos desafios mexem em privilégios. E os detentores do poder econômico que até hoje têm grande influência na política não querem renunciar a nada. Oficiais das Forças Armadas não aceitam que se reveja a Lei da Anistia, proclamada pela ditadura para se proteger. Todos sabem que é uma lei contrária a todos os códigos jurídicos internacionais que ensinam: crimes contra os direitos humanos não prescrevem, principalmente se são crimes do Estado. Ao mesmo tempo, o Congresso e o Judiciário não se dispõem a votar leis mais justas que iriam contra os interesses particulares dos deputados e de alguns juízes mais partidários do que os próprios partidos.

A experiência do mandato anterior mostrou à nossa presidente que ela precisa principalmente de maior capacidade e disposição de dialogar. No discurso da noite da vitória eleitoral, ela prometeu dialogar mais. Isso significa dialogar não só com o Congresso, com os donos do agronegócio e banqueiros, mas sobretudo com a sociedade civil e os movimentos sociais organizados.  

Mesmo muitas pessoas satisfeitas com as eleições presidenciais de outubro tinham e têm sérias críticas ao governo. Em consciência, votaram pela continuidade e aprofundamento do caminho empreendido desde 2002. No entanto, exigem mudanças profundas, principalmente reformas de base, melhores condições de vida em nossas cidades e maior cuidado com a Ecologia. As pessoas da oposição que votariam “em qualquer um menos no PT” têm suas razões. Uma minoria ínfima está mais à esquerda do que o PT e não acredita mais nesse sistema. No entanto, a imensa maioria dos que votaram contra, ou tem interesses escusos, ou segue embalada pela propaganda alienada, retrógrada e falsamente moralista dos principais meios de comunicação. Tanto uns quanto outros devem estar conscientes de que as mudanças mais profundas da sociedade não dependem apenas da pessoa que ocupa a presidência. Ela é importante para não entregar o país de volta ao domínio do imperialismo americano. É preciso manter e aprofundar os passos importantes até aqui conquistados para maior integração latino-americana. Não adianta a presidente fazer uma campanha para a esquerda e governar com a direita. As próximas eleições vêm aí e quatro anos passam rapidamente. No entanto, na história, as mudanças profundas e consistentes têm sempre vindo das bases. A base de qualquer democracia verdadeira é que “todo poder pertence ao povo e emana do povo”. Assim diz a nossa constituição. Por isso, são os movimentos sociais e a sociedade civil organizada que podem suscitar as mudanças que queremos para o Brasil. O Congresso Nacional representa, mas não substitui o povo.

Atualmente, a maior parte dos brasileiros está convencida de que precisamos de uma profunda e ampla reforma política. No Congresso tramitam três propostas diferentes para essa reforma. A OAB, CNBB e outras entidades propõem uma Iniciativa Popular, na qual o próprio Congresso aprovaria algumas emendas para a reforma. Os movimentos sociais realizaram em setembro de 2014 um Plebiscito Popular no qual quase oito milhões de brasileiros votaram por uma Constituinte exclusiva e soberana para mudar o sistema político brasileiro. Esses movimentos continuam na luta. Querem um Plebiscito oficial para a reforma a Constituição. Esperam eleger deputados exclusivamente para a reforma Constitucional que fará a mudança necessária nas leis políticas do Brasil.

Para quem tem fé, o exercício consciente da cidadania é o modo de testemunhar que a justiça e a igualdade entre todos é vontade divina e realiza o que Jesus propõe  no Evangelho quando diz: “Procurai o reinado de Deus (realização do projeto de Deus no mundo) e a sua justiça e tudo o mais virá em consequência disso” (Mt 6, 33).   

Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.

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