por Marcelo
Barros
Mestres
espirituais das religiões afrodescendentes já consultaram os 16 búzios e
puderam revelar o que os Orixás determinaram para esse ano novo. Também bruxos
e cartomantes já fizeram suas previsões. Na espiritualidade do Capitalismo que
adora o deus-dinheiro, economistas preveem como estará o mercado nesse ano novo.
Também, políticos fazem previsões e esperam um ano cheio de tensões e desafios.
De imediato, nesse ano novo, a sociedade civil brasileira tem vários desafios. Os
meios de comunicação que influenciam a opinião pública continuam a transformar
em espetáculo qualquer notícia escabrosa. Apresentam a realidade nacional como
se tudo fosse negativo. As pessoas conscientes sabem que, atualmente, se fala
mais de corrupção não porque, agora, a corrupção seja maior do que sempre foi e
sim porque agora a limpeza começa a ser feita. Quando se mexe no lixo, o mau
cheiro se espalha. Os problemas de corrupção na Petrobrás e as negociações
obscuras das empreiteiras e construtoras que mandam no país ocorrem pelo menos
desde os anos 90. Sobre isso, se o ex-ministro Sérgio Motta, que Deus o tenha
no céu, pudesse falar, teria muita coisa a dizer. E muitos dos políticos vivos que,
hoje, pousam de vestais, estariam sentados no banco dos réus.
No
primeiro dia desse ano, a presidenta Dilma iniciou um novo mandato. Quando foi
diplomada em dezembro, afirmou: “É mais difícil saber vencer do que saber
perder”. Isso revela que ela tem consciência dos desafios que tem pela frente.
Para governar o Brasil atual, precisa de muita coragem e determinação. Não
porque o Brasil esteja pior do que antes. A dificuldade maior é que muitos dos
desafios mexem em privilégios. E os detentores do poder econômico que até hoje
têm grande influência na política não querem renunciar a nada. Oficiais das
Forças Armadas não aceitam que se reveja a Lei da Anistia, proclamada pela
ditadura para se proteger. Todos sabem que é uma lei contrária a todos os
códigos jurídicos internacionais que ensinam: crimes contra os direitos humanos
não prescrevem, principalmente se são crimes do Estado. Ao mesmo tempo, o
Congresso e o Judiciário não se dispõem a votar leis mais justas que iriam contra
os interesses particulares dos deputados e de alguns juízes mais partidários do
que os próprios partidos.
A
experiência do mandato anterior mostrou à nossa presidente que ela precisa
principalmente de maior capacidade e disposição de dialogar. No discurso da noite
da vitória eleitoral, ela prometeu dialogar mais. Isso significa dialogar não só
com o Congresso, com os donos do agronegócio e banqueiros, mas sobretudo com a
sociedade civil e os movimentos sociais organizados.
Mesmo
muitas pessoas satisfeitas com as eleições presidenciais de outubro tinham e
têm sérias críticas ao governo. Em consciência, votaram pela continuidade e
aprofundamento do caminho empreendido desde 2002. No entanto, exigem mudanças
profundas, principalmente reformas de base, melhores condições de vida em
nossas cidades e maior cuidado com a Ecologia. As pessoas da oposição que votariam
“em qualquer um menos no PT” têm suas razões. Uma minoria ínfima está mais à
esquerda do que o PT e não acredita mais nesse sistema. No entanto, a imensa maioria
dos que votaram contra, ou tem interesses escusos, ou segue embalada pela
propaganda alienada, retrógrada e falsamente moralista dos principais meios de
comunicação. Tanto uns quanto outros devem estar conscientes de que as mudanças
mais profundas da sociedade não dependem apenas da pessoa que ocupa a
presidência. Ela é importante para não entregar o país de volta ao domínio do
imperialismo americano. É preciso manter e aprofundar os passos importantes até
aqui conquistados para maior integração latino-americana. Não adianta a
presidente fazer uma campanha para a esquerda e governar com a direita. As
próximas eleições vêm aí e quatro anos passam rapidamente. No entanto, na
história, as mudanças profundas e consistentes têm sempre vindo das bases. A
base de qualquer democracia verdadeira é que “todo poder pertence ao povo e
emana do povo”. Assim diz a nossa constituição. Por isso, são os movimentos
sociais e a sociedade civil organizada que podem suscitar as mudanças que
queremos para o Brasil. O Congresso Nacional representa, mas não substitui o
povo.
Atualmente,
a maior parte dos brasileiros está convencida de que precisamos de uma profunda
e ampla reforma política. No Congresso tramitam três propostas diferentes para
essa reforma. A OAB, CNBB e outras entidades propõem uma Iniciativa Popular, na
qual o próprio Congresso aprovaria algumas emendas para a reforma. Os
movimentos sociais realizaram em setembro de 2014 um Plebiscito Popular no qual
quase oito milhões de brasileiros votaram por uma Constituinte exclusiva e
soberana para mudar o sistema político brasileiro. Esses movimentos continuam na
luta. Querem um Plebiscito oficial para a reforma a Constituição. Esperam eleger
deputados exclusivamente para a reforma Constitucional que fará a mudança necessária
nas leis políticas do Brasil.
Para
quem tem fé, o exercício consciente da cidadania é o modo de testemunhar que a
justiça e a igualdade entre todos é vontade divina e realiza o que Jesus propõe no Evangelho quando diz: “Procurai o reinado
de Deus (realização do projeto de Deus no mundo) e a sua justiça e tudo o mais
virá em consequência disso” (Mt 6, 33).
Marcelo
Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e
assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades
eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da
ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45
livros publicados no Brasil e em outros países.
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