Por Marcelo Barros
Há menos de um mês
desejávamos uns aos outros um ano novo de paz. No entanto, do início de janeiro
até hoje, o mundo continua imerso em um mar de violência. Nos Estados Unidos,
policiais mataram mais um jovem negro. Na França, terroristas mataram profissionais
da imprensa. Na Síria, a cada dia, execuções e mortes fazem parte do cotidiano
de um país devastado. Na Nigéria, o grupo terrorista Boko Haran massacrou
recentemente 3000 pessoas, entre homens, mulheres e crianças. Em todo o mundo,
ninguém fez nenhuma passeata de protesto por causa disso, já que esses crimes
ocorrem na África e não na França.
No Brasil, não
temos guerra declarada, mas nas periferias das nossas cidades, o tráfico não
perdoa. Mata. A cada dia, o tráfico ou milícias particulares e, em alguns casos,
membros da própria polícia exterminam rapazes da periferia e de preferência
negros. Esse extermínio de jovens, com requintes de crueldade, lança sobre o
futuro o veneno da desesperança. E os vilões não são extraterrestres. São
pessoas comuns, dessas que encontramos a cada dia, na padaria ou na fila de
ônibus. Matam porque vivem em uma cultura da violência, na qual, a cada dia, os
meios de comunicação social transmitem a ideia de que a pena de morte é a única
solução para os problemas do Brasil.
Nessa semana, na
Índia, milhões de pessoas visitam o túmulo do Mahatma Gandhi, em Nova Dehli.
Reverenciam o profeta da paz e da não violência, assassinado por um fanático religioso
hindu, no dia 30 de janeiro de 1948. Ele ensinava que o único remédio para a
violência é não entrar na mesma lógica. Insistia na resistência da não
violência ativa e no caminho da verdade. Quase 70 anos depois, a humanidade
ainda não aprendeu. Nos Estados Unidos, o pastor Martin-Luther King perdeu a
vida, mas, através do método da não violência ativa, venceu a luta contra a
discriminação racial. No Brasil, Dom Helder Camara consagrou sua vida à luta
pacífica pela justiça e pela paz.
A CNBB quis
consagrar esse ano de 2015 como um ano da paz. Certamente, não está se
referindo apenas à superação de guerras, mas ao estabelecimento da paz na nossa
forma de organizar a sociedade.
No livro “Pedagogia
do Oprimido”, Paulo Freire afirma que estamos mal porque seguimos um mau modelo
de sociedade e não nos damos conta de que é um caminho equivocado. As pessoas são orientadas a competir. Vencer
na vida passa a significar exercer um domínio sobre outros. A cada dia, a Mãe
Terra, explorada e ameaçada, grita de dor. E a humanidade segue sua luta por
paz. No entanto, como imaginar que pode ter paz um mundo no qual um pequeno
grupo de pessoas privilegiadas possui 90% dos bens disponíveis para todos e o
resto, 80% da população da terra tem de viver com 10% ou, segundo a ONU, um
pouco mais? No mundo, vários países estão em uma profunda crise social e
econômica, mas tentam ainda superar o mal com o próprio veneno que provocou a
doença. Como uma iniquidade dessas dimensões, responsável pela morte de muitas
pessoas e pela infelicidade de povos inteiros, não se faz impunemente, o
sistema se protege com um cifras astronômicas gastas em armamentos. Ainda não
se deu conta de que a única coisa que geraria verdadeira segurança seria a
igualdade social. No momento atual, nenhum país em crise busca alternativas
para esse modelo de organização social. Só poucos países latino-americanos,
como Venezuela, Bolívia e Equador, sem poder romper com o sistema social
vigente, tentam consertar ou controlar a selvageria capitalista.
É preciso entre as
classes mais pobres reorganizar uma educação que crie uma tomada de consciência
sobre a realidade. Sem uma educação crítica e uma verdadeira conscientização
social, já nos anos 70, afirmava Paulo Freire, nenhuma transformação será
possível. Nesse plano, as Igrejas têm uma missão importante. Elas anunciam o
evangelho. Ele contém o programa que Deus tem para o mundo todo (o que os
evangelhos chamam de “reino de Deus”). Infelizmente, durante séculos, o
Cristianismo separou material e espiritual e pregava um céu para depois da
morte. Jesus deu sinais do reino ao curar doentes, reconciliar pessoas
excluídas com a comunidade e anunciar a libertação de toda pessoa humana. E
afirmou: “Quando essas coisas começarem a acontecer, levantem a cabeça porque
se aproxima a libertação de vocês”. (Lc 21, 28).
Marcelo
Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e
assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades
eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da
ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45
livros publicados no Brasil e em outros países
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