Por Leonardo Boff
Uma das mais palavras mais difamadas na linguagem política
neoliberal e capitalista é seguramente a de “socialismo”. Entende-se o porquê,
pois ele comparece na história como um projeto alternativo à perversidade do
capitalismo seja como modo de produção seja como cultura globalizada, hostil à
vida e incapaz de trazer e generalizar felicidade.
Alega-se que o socialismo nunca deu certo em nenhum lugar do
mundo.Talvez uma das razões de manter o boicote à Cuba socialista por tantos
anos da parte dos EUA se deva à vontade de mostrar ao mundo que o socialismo
realmente não presta e não deve ser buscado como forma de organização da
sociedade. E Obama teve que reconhecer que nisso os EUA fracassaram. O
capitalismo não é a única forma de organizar a produção e uma sociedade.
Ademais houve a implosão do socialismo realmente existente na URSS, o que
suscitou um entusiasmo quase infantil ao ideal capitalista como triunfador e a
verdadeira solução final dos problemas sociais, o que revelou ilusório e falso.
Mas é forçoso reconhecer que aquele “socialismo” nunca foi o
socialismo pensado por seus teóricos já há três séculos. Na verdade, era um
capitalismo do Estado autoritário, pois somente este podia acumular e através
dele e dos membros do partido construir o projeto socialista e não por todo um
povo.
Mas se tomarmos como parâmetro critérios humanísticos,
éticos e sociais mínimos, devemos reconhecer que o produtivismo em geral e o
capitalismo como sua expressão maior, também não deram certo. Como pode dar
certo um sistema que se propõe um mesquinho ideal de enriquecimento ilimitado,
sem qualquer consideração? Subjugou a inteira classe operária na Europa e
alhures aos interesses do capital, acirrando a luta de classes, conquistou e destruiu inteiros povos na África e, em parte, na América Latina, reduzindo-os
até hoje à miséria e à marginalidade. Devastou e continua devastando inteiros
ecossistemas, desflorestando grande parte da área verde do mundo, envenenando
os solos, poluindo as águas, contaminando o ar, erodindo a biodiversidade na
razão de cem mil espécies de seres vivos por ano, segundo dados do eminente
biólogo Ewdard O. Wilson, destruindo a base físico-química que sutenta a vida e
pondo em risco o futuro de nossa civilização, suscitando a imagem tétrica de
uma Terra depredada e coberta de cadáveres e eventualmente sem nós, como
espécie humana? Esse sistema, pelos cálculos feitos por economistas que assumem
o dado ecológico, serve bem apenas a cerca de dois bilhões de pessoas que se
afogam no consumo suntuoso e no desperdício atroz. Ocorre que somos já mais de
sete bilhões de pessoas, das quais quase um bilhão vive na mais canina pobreza
e miséria. Mais ainda, e os cálculos foram feitos: se este sistema quisesse
universalizar o bem-estar dos países opulentos como os EUA e a Europa
precisaríamos de pelo menos três Terras iguais a esta.
Que sistema atenderá as necessidades fundamentais da
humanidade carente? Não será o capitalismo que, lá onde chega, traz logo duas
injustiças: a social com a riqueza de poucos e pobreza de muitos, à base da
exploração e a ecológica com a devastação massiça da natureza.
Sobre ele, um dia que não saberemos quando, virá, severo, o
juízo da história e se cobrará dele as milhões de vítimas produzidas nos
séculos de sua vigência, cujos gritos sobem ao céu clamando por uma justiça
mínima e pelo respeito à sua dignidade, sempre negada.
Deixando de lado os vários tipos de socialismo a começar
pelo socialismo utópico (Saint Simon, Owen, Fourier), o socialismo científico
(Marx e Engels) o socialismo autoritário-ditatorial (estalinismo) e o
socialismo democrático (Schumpeter; não confundi-lo com a social democracia),
restringimo-nos ao ecossocialismo contemporâneo. Surgido nos anos 1970 com
Raymon Williams (Inglaterra), James O’Connor (USA), Manuel Sacristán (Espanha)
e entre nós com Michael Löwy (O que é ecossocialimo, Cortez 2015), ele
afasta-se dos socialismos anteriores e apresenta uma proposta radical que
“almeja não só a transformação das relações de produção, do aparelho produtivo
e do padrão de consumo dominante, mas sobretudo construir um novo tipo de
civilização, em ruptura com os fundamentos da civilização
capitalista/industrialista ocidental moderna”(Löwy, p. 9-10).
Os tópicos principais desta proposta foram expostos no Manifesto
Ecossocialista Internacional (2001) que deu origem à Rede Ecossocialista
Internacional (2007). Na Declaração Ecossocialista de Belém (2007) se
diz claramente:”a humanidade enfrenta hoje um escolha extrema: ecossocialismo
ou barbárie…visa-se parar e inverter o processo desastroso do aquecimento
global em particular e do ecocídcio capitalista em geral, e construir uma
alternativa prática e radical ao sistema capitalista”(Löwy,pp.114 e 119). Todos
estes textos se encontram no livro de Michel Löwy.
Esta proposta se alinha ao que também propõe a Carta da
Terra, fruto de uma vasta consulta na humanidade e longa maturação até ser
aprovada e assumida pela UNESCO em 2003.
Dentro de pouco seremos todos ecossocialistas não por opção
ideológica, mas por razões matemáticas: dispomos apenas dos escassos bens
naturais existentes com os quais devemos atender a todos os humanos e à toda
comunidade de vida. Ou repartimos tais bens com um mínimo de equidade entre
todos ou não haverá uma Arca de Noé que nos salvará. É vida ou morte.
Veja meu livro Do iceberg à Arca de Noé, Record, Rio 2010.
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