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sexta-feira, 3 de abril de 2015
MÃOS AO ALTO
por Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio
Há poucos dias, uma foto que circulou pelas redes virtuais comoveu o mundo. Uma menina pequena, aparentando ter seus cinco ou seis anos, com as mãozinhas para o alto, fazia gesto de rendição diante da câmera que a fotografava. O rosto aterrorizado e sério, seu gesto desprotegido e amedrontado, suscitaram comentários os mais diversos, todos variando entre a compaixão e a indignação.
Nadia Abu Shaban, uma fotógrafa baseada em Gaza, foi quem transmitiu a mensagem pelo twitter, acessada mais de onze mil vezes. Como a foto vinha sem crédito, apareceram suspeitas de que fosse falsa. Nadia confirmou não ser ela a autora da foto, mas não sabia nem tinha conhecimento de sua origem.
Coube ao usuário de um site de compartilhamento de imagens encontrar a origem da fotografia. Vinha de um clipping de jornal e seu autor era um fotógrafo turco, Osman Sagirli. Este, entrevistado pela BBC, confirmou, dizendo ser a criança uma menina de nome Hudea, com quatro anos de idade. Ele a fotografara no campo de refugiados de Atmeh, na Síria, a cerca de 10 km da fronteira turca, em dezembro de 2014. A menina ali chegara com a mãe e dois irmãos, em busca de abrigo para a situação violenta e conflitiva de seu país.
O que impressionou o fotógrafo foi o fato de Hudea levantar as mãos em sinal de rendição ao ver sua lente, comprida, de telefoto. Pensando tratar-se de uma arma, a menina instintivamente repetiu o gesto que certamente já havia feito por várias vezes, diante de armas e ameaças inúmeras com a qual já se deparara em sua curta vida.
Às portas da Semana Santa, quando nós, cristãos, celebramos o mistério da Paixão do Filho de Deus, que entra em Jerusalém e é pregado em uma cruz, o rostinho e o gesto de Hudea não apenas comove, mas também evoca. Lembra os rostos de tantas, milhares, milhões de crianças que hoje vivem uma paixão cotidiana e sem quartel, em meio à violência armada presente no lugar onde vivem.
Essas crianças podem estar no Iraque e a qualquer momento serem detidas, presas, enjauladas e arrastadas diante de seu povoado ou mesmo crucificadas com requintes de crueldade. Ou podem estar em alguma favela nossa do Rio, ou Recife, ou São Paulo, em convivência diária, lado a lado, com as armas de guerra mais sofisticadas, na absurda e inexplicável guerra do tráfico que faz vítimas por todos os lados e acaba atingindo os mais fracos e desprotegidos. Ou ainda vamos encontrá-las brincando com mísseis na faixa de Gaza, escrevendo mensagens violentas para o outro lado do front que transformou países vizinhos em inimigos, recusando-se a serem irmãos.
Os olhos arregalados e assustados da menina síria fazendo o gesto de “mãos ao alto”, próprio da rendição em situações de guerra e diante de uma arma, impressionam por estarem em total desacordo com o que habitualmente se espera de uma criança de tão pouca idade: gestos de alegria, de carinho e travessura, de despreocupada brincadeira.
Hudea, assim como todas as crianças que atualmente vivem em zonas e situações de risco, não pode dar-se ao luxo de despreocupar-se e brincar pelos campos minados e arrasados onde vive. Qualquer tentativa de viver o cotidiano normal das crianças de sua idade é imediatamente interrompido e ameaçado. Qualquer brinquedo vira morte. Qualquer grito é sinal de agonia. Qualquer câmera fotográfica é confundida com uma arma que pode disparar, ferir e matar.
A menina síria “rendida” ao fotógrafo que não pretendia maltratá-la, mas apenas fotografá-la é uma imagem viva da crucifixão hodierna das crianças que vivem a dor de não ter futuro e de viver um presente em perpétua ameaça. Seria preciso explicar a ela, a todas elas, a todos eles, que não é esse o destino que merecem, que há pessoas pelo mundo que lutam para que haja paz e que suas vidas possam ser cheias de alegria e de serenidade.
Sobretudo, saiba ela ou não, o mistério que celebraremos dentro de poucos dias, é a rendição definitiva da morte e a vitória da vida. Aquele que foi crucificado em Jerusalém, cremos e proclamamos que ressuscitou e se encontra vivo no meio de nós. Seu coração bate amorosamente por Hudea e por todas as crianças que hoje vivem com medo e susto. Foi ele quem disse que delas era o Reino dos céus. Que essa esperança, consciente ou não, possa infiltrar-se nas vidas das crianças que hoje nada mais sabem fazer senão render-se diante de uma arma e olhar com medo qualquer um que se aproxime, temendo ser um inimigo.
Uma Páscoa cheia de paz e alegria para todos!
A teóloga é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc)
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