Por
Marcelo Barros
Em
Londres, quem passa pelo pórtico da Catedral anglicana de Westminster, verá em
meio às imagens de mártires do século XXI a estátua de um pastor luterano. Para
celebrar o ano 2000, a Igreja Anglicana colocou nas portas da Catedral em
Londres figuras de vários mártires do século XX. Ali se veem não cristãos como
Gandhi e cristãos de várias Igrejas que os anglicanos reconhecem como santos.
Ali estão homenageados o bispo católico Dom Oscar Romero, o pastor batista
Martin-Luther King e, entre os dois, o teólogo e pastor luterano Dietrich
Bonhoeffer, fuzilado em um campo de concentração nazista.
Nessa
semana, no dia 09 de abril, completaram-se 70 anos do martírio do pastor
Bonhoeffer. No entanto, a sua mensagem profética continua atual e provoca
admiração no mundo inteiro. Pelo seu modo de viver e por seus escritos, ele ensinou
uma espiritualidade que une fé e política. Para ele, a fé cristã exige inserção
na realidade social, assim como Jesus entrou profundamente nos problemas da
sociedade do seu tempo. Por isso, Bonhoeffer propôs que as Igrejas reagissem à
injustiça. Os pastores deveriam denunciar a iniquidade do Nazismo e de todo
regime político que negue a dignidade e a liberdade dos filhos e filhas de Deus.
Ele
era um homem de oração cotidiana, mas, afirmava: “É um insulto a Deus cantar ofícios
litúrgicos, enquanto as bombas caem sobre as cidades e muitas pessoas morrem em
campos de concentração”. “Para quem é cristão, não basta evitar o mal ou dele
fugir. É preciso combatê-lo”. “Nenhuma guerra é justa. Toda guerra é opressora
e iníqua”. Na Alemanha, as Igrejas se dividiram. A maioria aceitou colocar ao
lado do altar a bandeira com a suástica nazista. Muitas despediram pastores de
sangue judeu e algumas chegaram a colaborar com o regime. Bonhoeffer liderou o
grupo das Igrejas que ocultavam fugitivos e colaboravam com a resistência.
Nesse contexto, o pastor Bonhoeffer decidiu participar de um complô para
assassinar Hitler e assim acabar com a guerra. O plano fracassou e ele foi
preso. Afirmou que fez isso não por motivações
políticas, mas em nome da fé e como testemunha do Deus que Jesus anunciou nos
evangelhos. Foi morto no 09 de abril de 1945.
Na
América Latina, todos consideram o pastor Bonhoeffer um dos grandes pioneiros e
patronos da Teologia da Libertação. Livros seus como “Ética”, “Vida Comunitária”
e “Seguir Jesus” marcaram gerações. No campo de concentração, enquanto esperava
a morte, escreveu suas cartas da prisão que estão reunidas no livro
“Resistência e Submissão”, hoje, um clássico da literatura cristã.
Em
várias cartas, Bonhoeffer coloca a seguinte pergunta: “Como falar de Deus em um
mundo no qual Deus não é reconhecido? Antigamente, os cristãos tentavam converter
os descrentes a aderir à fé. No mundo contemporâneo, a maioria da humanidade
não sente necessidade de religião. A única forma correta de falar de Deus aos
que não creem é através do testemunho pessoal, da amorosidade e do modo coerente
de viver a ética e a justiça. Por isso, o pastor Bonhoeffer propõe que as
pessoas que têm fé vivam profundamente a intimidade com Deus mas de forma a
respeitar a sociedade que tem sua autonomia e não precisa de um Deus pai para
lhe dizer como deve se conduzir. Os cristãos devem viver mergulhados em Deus,
mas inseridos no mundo e como cidadãos iguais aos outros, “como se Deus não
existisse”. Ele atualizou essa expressão de um jurista cristão do século XVII
para fundamentar a compreensão cristã de uma sociedade laical e pluralista que
não pode ceder a fundamentalismos religiosos. Nenhuma Igreja ou religião tem
direito de impor a um povo ou nação suas leis próprias. Não deve fazer lobbys para
que a sociedade respeite leis e princípios que, embora possam ser válidos para
toda a humanidade, são baseadas em crenças de uma ou outra tradição. Tomara
que, hoje, nossos congressistas pentecostais ou de qualquer outra tradição
religiosa tenham o bom senso de seguir esse conselho do pastor Bonhoeffer: viver
em Deus, como se fosse sem Deus.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países
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