por Maria Clara Bingemer Lucchetti
Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio
Estamos
em pleno tempo pascal. Há alguns dias celebramos a Páscoa juntamente com
todos os cristãos. Trata-se de uma festa de alegria, de vitória, de vida
em plenitude. A liturgia é permeada de aleluias e cânticos de louvor, aclamando
o Crucificado que venceu a morte e nos deu nova vida.
Até
o Concílio Vaticano II, a espiritualidade e a teologia cristãs eram muito
marcadas por um dolorismo que parecia ver na Cruz e na morte de Jesus a última
palavra de Deus sobre a criação e a humanidade. A ênfase na ascese, no
sacrifício, na penitência, tomava quase todo o espaço, deixando em segundo
plano a luminosidade fulgurante do anúncio pascal, graças ao qual vivemos e que
nos alimenta a fé.
O
Concílio caracterizou-se por seu toque otimista, tão necessário, enfatizando a
importância da alegria, de apostar na vida, de saber desfrutar das coisas boas
que ela oferece, sem culpabilidades excessivas e masoquismos desnecessários. Os
cristãos começaram a entender que o ser humano é feito para ser feliz e, por
isso, o gozo não é algo necessariamente pecaminoso e proibido, mas legítimo e
mesmo importante para viver uma vida com sentido. O movimento pendular que
sempre se segue às grandes mudanças na sociedade e na Igreja, no entanto,
acabou levando para o extremo oposto em alguma medida a sadia abertura
conciliar.
E
hoje, ao lado da mentalidade renovada e tão benéfica para o tecido eclesial e
social como um todo, muitas vezes se encontra certa postura “light” e
irresponsável diante da vida, diante do outro, diante da fé, que procura eludir
a dimensão do esforço, do compromisso e da dor, apelando para a fé no
Ressuscitado. Sobre isso, o povo mais simples como sempre tem intuições sábias
nas quais se pode beber e aprender. A importância dada à adoração da Cruz e à
procissão do Senhor morto nas festas populares traz consigo uma mensagem que
não se pode descartar ou encarar apenas sociologicamente. Trata-se de um
conteúdo indispensável e constitutivo da fé cristã, que não pode nem deve ser
esquecido ou minimizado.
A
alegria da Ressurreição tem um preço e um custo. Trata-se da vitória de um
Crucificado sobre uma morte cruel e violenta, na qual Deus diz ao mundo que o
amor vence a morte. Porém, de que amor se trata? Não certamente do que os
gregos entendiam por philia, amizade entre iguais, prazerosa e simétrica. O
amor que levou Jesus à Cruz foi ágape feita de entrega e saída de si, de
serviço desinteressado e generoso aos outros, assumir a perseguição e a
rejeição no próprio corpo e na própria vida até perder a vida para que outros possam
tê-la.
Os
primeiros cristãos, após o deslumbramento da experiência de verem vivo aquele
que haviam contemplado morto, começaram imediatamente a narrar a Paixão do
Crucificado. Com isso pretendiam penetrar um pouco mais naquele mistério
aparentemente incompreensível de como o amor desemboca na dor mais profunda de
que se tem notícia na história da humanidade, para terminar com uma vitória que
não apaga o que foi sofrido e doído, mas o transfigura em missão e anúncio
jubiloso. O seguimento de Jesus de Nazaré, reconhecido como o Senhor Exaltado,
Cristo de Deus, foi sendo sempre mais entendido como uma experiência
atravessada de paz e de alegria, mas da qual a dor não está ausente.
Talvez
tenha sido o apaixonado Paulo de Tarso que melhor expressou esse sentimento ao
descrever as implicações do ministério apostólico que era o seu e de todos os
que se dispunham a colocar-se inteiramente a serviço do Galileu Crucificado e
Ressuscitado. E ele vai dizer que a alegria pascal é real e verdadeira. Mas só
acontece se não há uma recusa ou uma negação da dor e da morte. Sobretudo da
dor e da morte que abatem e oprimem os irmãos.
Aquele
que segue Cristo já não vive para si, mas para Ele. E por Ele é chamado a
consolar os tristes e aflitos, a atender os pobres, os órfãos e as viúvas, a
alimentar os famintos e vestir os nus. Se buscar a alegria eludindo essas
situações negativas que clamam por presença e auxílio, o que encontrará será o
vazio de um gozo efêmero e oco, que logo se esvairá entre seus dedos como água.
A alegria pascal deve recordar-nos que seguimos um condenado à morte,
crucificado pelos que odiavam a verdade e eram aferrados a seus privilégios.
Nesse
seguimento, alguma proporção de responsabilidade participativa nas dores e
sofrimentos dos irmãos nos está certamente reservada. Assumi-la com confiança é
o que nos cabe. Assim como esperar e acreditar que o Pai pronunciará sobre
nossa vida a palavra definitiva da vida que não morre. Enquanto o Espírito
derramará em nossos corações a alegria imorredoura que jorrou na noite luminosa
em que o Messias venceu a morte e se manifestou vivo e poderoso aos seus.
A teóloga é autora de “O mistério
e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença”, Editora
Rocco.
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