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sábado, 18 de abril de 2015

PÁSCOA: O “PREÇO” DA ALEGRIA


por Maria Clara Bingemer Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio



Estamos em pleno tempo pascal.  Há alguns dias celebramos a Páscoa juntamente com todos os  cristãos. Trata-se de uma festa de alegria, de vitória, de vida em plenitude. A liturgia é permeada de aleluias e cânticos de louvor, aclamando o Crucificado que venceu a morte e nos deu nova vida.
Até o Concílio Vaticano II, a espiritualidade e a teologia cristãs eram muito marcadas por um dolorismo que parecia ver na Cruz e na morte de Jesus a última palavra de Deus sobre a criação e a humanidade. A ênfase na ascese, no sacrifício, na penitência, tomava quase todo o espaço, deixando em segundo plano a luminosidade fulgurante do anúncio pascal, graças ao qual vivemos e que nos alimenta a fé.
O Concílio caracterizou-se por seu toque otimista, tão necessário, enfatizando a importância da alegria, de apostar na vida, de saber desfrutar das coisas boas que ela oferece, sem culpabilidades excessivas e masoquismos desnecessários. Os cristãos começaram a entender que o ser humano é feito para ser feliz e, por isso, o gozo não é algo necessariamente pecaminoso e proibido, mas legítimo e mesmo importante para viver uma vida com sentido. O movimento pendular que sempre se segue às grandes mudanças na sociedade e na Igreja, no entanto, acabou levando para o extremo oposto em alguma medida a sadia abertura conciliar.
 E hoje, ao lado da mentalidade renovada e tão benéfica para o tecido eclesial e social como um todo, muitas vezes se encontra certa postura “light” e irresponsável diante da vida, diante do outro, diante da fé, que procura eludir a dimensão do esforço, do compromisso e da dor, apelando para a fé no Ressuscitado. Sobre isso, o povo mais simples como sempre tem intuições sábias nas quais se pode beber e aprender. A importância dada à adoração da Cruz e à procissão do Senhor morto nas festas populares traz consigo uma mensagem que não se pode descartar ou encarar apenas sociologicamente. Trata-se de um conteúdo indispensável e constitutivo da fé cristã, que não pode nem deve ser esquecido ou minimizado.
 A alegria da Ressurreição tem um preço e um custo. Trata-se da vitória de um Crucificado sobre uma morte cruel e violenta, na qual Deus diz ao mundo que o amor vence a morte. Porém, de que amor se trata? Não certamente do que os gregos entendiam por philia, amizade entre iguais, prazerosa e simétrica. O amor que levou Jesus à Cruz foi ágape feita de entrega e saída de si, de serviço desinteressado e generoso aos outros, assumir a perseguição e a rejeição no próprio corpo e na própria vida até perder a vida para que outros possam tê-la.
Os primeiros cristãos, após o deslumbramento da experiência de verem vivo aquele que haviam contemplado morto, começaram imediatamente a narrar a Paixão do Crucificado. Com isso pretendiam penetrar um pouco mais naquele mistério aparentemente incompreensível de como o amor desemboca na dor mais profunda de que se tem notícia na história da humanidade, para terminar com uma vitória que não apaga o que foi sofrido e doído, mas o transfigura em missão e anúncio jubiloso. O seguimento de Jesus de Nazaré, reconhecido como o Senhor Exaltado, Cristo de Deus, foi sendo sempre mais entendido como uma experiência atravessada de paz e de alegria, mas da qual a dor não está ausente.
Talvez tenha sido o apaixonado Paulo de Tarso que melhor expressou esse sentimento ao descrever as implicações do ministério apostólico que era o seu e de todos os que se dispunham a colocar-se inteiramente a serviço do Galileu Crucificado e Ressuscitado. E ele vai dizer que a alegria pascal é real e verdadeira. Mas só acontece se não há uma recusa ou uma negação da dor e da morte. Sobretudo da dor e da morte que abatem e oprimem os irmãos.
Aquele que segue Cristo já não vive para si, mas para Ele. E por Ele é chamado a consolar os tristes e aflitos, a atender os pobres, os órfãos e as viúvas, a alimentar os famintos e vestir os nus. Se buscar a alegria eludindo essas situações negativas que clamam por presença e auxílio, o que encontrará será o vazio de um gozo efêmero e oco, que logo se esvairá entre seus dedos como água. A alegria pascal deve recordar-nos que seguimos um condenado à morte, crucificado pelos que odiavam a verdade e eram aferrados a seus privilégios.
Nesse seguimento, alguma proporção de responsabilidade participativa nas dores e sofrimentos dos irmãos nos está certamente reservada. Assumi-la com confiança é o que nos cabe. Assim como esperar e acreditar que o Pai pronunciará sobre nossa vida a palavra definitiva da vida que não morre. Enquanto o Espírito derramará em nossos corações a alegria imorredoura que jorrou na noite luminosa em que o Messias venceu a morte e se manifestou vivo e poderoso aos seus.
 A teóloga é autora de “O  mistério e o mundo –  Paixão por  Deus em tempo de descrença”, Editora  Rocco. 

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