Por Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do
Departamento de Teologia da PUC-Rio.
A humildade é uma virtude incontestável, que anda meio esquecida, mas se faz sempre mais necessária. O cristianismo fez dela uma das mais importantes virtudes, condição mesma para viver sua proposta. Pois para reconhecer a majestade e a infinitude de Deus e reconhecer-se criatura finita, pobre e limitada, é preciso ser humilde, ou seja, ter noção exata da própria envergadura e dos próprios condicionamentos.
Realmente,
o que vem a humildade, com seu conteúdo de verdade e modéstia, de simplicidade
e verdade, fazer num mundo que canoniza o poder, que vive de aparências,
supervaloriza o ter em detrimento do ser e constrói a cada minuto ídolos e
fetiches que o possam guindar sempre mais alto nas escalas social e
profissional, à frente, nunca atrás, ainda que seja usando os outros para
conseguir seu intento?
Uma
pessoa humilde é malvista em nossa sociedade. Dela diz-se que não
tem ambição nem garra, é fraca de personalidade, que não sabe se impor. Mais:
é tida como boba, idiota, que não sabe aproveitar as oportunidades e chances
que a vida lhe dá e se deixa ultrapassar pelos outros. Não se apega às
conquistas conseguidas, não se agarra ao prestígio e ao poder dela emanados,
mas deles se afasta, deixando o caminho livre para os adversários e concorrentes.
Apesar
de o Cristianismo raramente ter sido considerado uma religião humilde, quase
sempre associado à arrogância religiosa e ao triunfalismo, e com uma confiança
absoluta na verdade superior de seus próprios ensinamentos, a virtude da humildade
desempenhou papel central na tradição cristã desde suas origens.
Santo
Antão a ela se refere como “a primeira de todas as virtudes” e, para Santo
Agostinho, consiste na “soma total do remédio que nos cura”. Dentro da tradição
monástica do Ocidente, o caminho de subida para Deus foi desenvolvido em termos
de doze degraus de humildade. E sua importância é tema central na
reflexão e nos escritos da maioria dos místicos cristãos, desde Gregório o
Grande até o anônimo autor inglês da “Nuvem do não saber” do século XIV;
passando pela grande mística carmelita Teresa de Ávila e por João da Cruz até
os diálogos espirituais entre Francisco de Sales e Joana de Chantal.
Mesmo
em tempos em que a importância da humildade possa ter parecido ser virtualmente
eclipsada pelo triunfalismo e o poder eclesiástico, continuou a encontrar seu
lugar central e inequívoco na obra de grandes teólogos como Tomás de Aquino e
fundadores e espirituais do porte de Inácio de Loyola, que propõe em seus
Exercícios Espirituais levar o retirante ao terceiro grau de humildade,
desejando antes a pobreza e a loucura por Cristo do que o prestígio que o mundo
dá.
E
embora a noção de humildade tenha sido olhada como profundamente oposta à
ênfase moderna na autonomia humana e na excelência individual, ainda figura com
proeminência nos escritos de autores espirituais mais contemporâneos como
Simone Weil, Emmanuel Mounier e Jean-Louis Chrétien. Este último
chega a afirmar: “É bonito que a mais profunda das virtudes tenha uma reputação
tão negativa. “
A teóloga é
autora de “O mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de
descrença”, Editora Rocco.
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