Por
Marcelo Barros
Nesses
dias, o Brasil se debate em uma violenta onda de ódio. A elite nacional e os
grandes meios de comunicação tudo fazem para que, além de derrubarem um governo
frágil e autista, o próprio exercício da Política caia em descrédito geral.
Enquanto isso, a ONU celebra o 70o aniversário de sua fundação (24 de outubro
de 1965), com atividades contra o armamentismo e em favor da paz. A ONU cumpre a
importante missão de zelar para que a sociedade internacional seja impregnada
de valores fundamentais como o respeito à dignidade de todos os seres humanos,
a supremacia da justiça, a consciência ecológica e a abertura à diversidade
cultural e religiosa. Grande parte da humanidade apoia a ONU, mas sonha com um
organismo mundial que abranja não somente governos, mas também uma
representação legítima da sociedade civil internacional. Só uma organização
internacional que reúna Estados e representantes das organizações civis terá
força para exigir das grandes potências respeito pelas leis e decisões
internacionais. Somente um organismo assim poderá intervir para que o governo
de Israel pare de massacrar o povo palestino. E proíba os países ricos de
estabelecer leis agrícolas protecionistas que destroem a economia dos países
africanos. Através da FAO, a ONU reconheceu que a Venezuela superou o
analfabetismo e em todo o país está superada a fome e a desnutrição. Por que,
então, não se coloca decididamente a favor dos governos e dos povos da Bolívia,
Venezuela e Equador que enfrentam o imperialismo e refazem o sonho da
integração e da libertação?
Os
organismos da ONU mostram que, se os alimentos produzidos no mundo e a riqueza
que existe, fossem repartidos de forma mais justa, daria para alimentar toda a
humanidade e garantir saúde e vida digna para todos. No entanto, a riqueza está
cada vez mais concentrada nas mãos de uma pequena elite e a sobrevivência da
imensa maioria de pobres tem sido, cada dia, mais difícil e exigente.
A
UNICEF adverte que, por causa dessa organização injusta da sociedade, a cada
ano, 40 a 60 milhões de pessoas morrem de fome ou de doenças ligadas à
desnutrição. Mais de um bilhão de crianças vive abaixo do nível da pobreza. Mesmo
o Brasil que, em 12 anos, conseguiu tirar milhões de pessoas da miséria, a
realidade das aldeias indígenas e das comunidades remanescentes de Quilombo é
dramática e terrível. Conforme cálculos do Banco Mundial, com 40 bilhões de
dólares, se poderia resolver todo o problema da fome e da saúde dos pobres do
mundo. Ora somente, em um ano, os Estados Unidos gastam mais de um bilhão de
dólares em armas para as guerras que mantêm no mundo. Ao mesmo tempo, a
sociedade dominante que provoca as guerras contra os povos pobres, fecha suas
fronteiras aos migrantes que tentam sobreviver ao extermínio e decreta que o
destino deles deve ser a morte em seus países ou o fundo do mar nas portas das
ilhas de luxo do primeiro mundo.
A
maioria das pessoas que pensam percebe que a hegemonia e o controle exercido
pela Economia sobre a Política, no decorrer dos últimos 30 anos, foi uma
catástrofe para o mundo. Quando, na crise de 2008, a situação tornou-se
incontrolável e sem saída, as empresas recorreram de novo à Política. Mas, que
tipo de Política?”. Na encíclica sobre o cuidado com a Terra, nossa casa comum,
o papa Francisco pondera: “A política não deve submeter-se à economia e esta
não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia.
Pensando no bem comum, hoje, precisamos imperiosamente que a política e a
economia, em diálogo, se coloquem decididamente a serviço da vida,
especialmente da vida humana” (L. S., 189).
É
preciso unir todas as pessoas de boa vontade e grupos articulados da sociedade
civil para “democratizar a democracia”, ou seja, elaborar um novo modelo de
Política, efetivamente, centrado no bem comum. Dom Oscar Romero, arcebispo de
El Salvador, martirizado em 1980, propunha um retorno ao que ele chamava de “grande Política”. Em meio à crise
política em que estamos mergulhados, as pessoas que creem em Deus e em seu
projeto para o mundo devem ser testemunhas de que todo sofrimento e decepção
podem se transformar em dores de parto através das quais podemos gerar uma
realidade nova que nos ajude a viver o projeto divino de paz e justiça para
esse mundo.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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