Por
Marcelo Barros
No
calendário de comemorações da Igreja Católica, outubro é considerado mês das
missões. Houve épocas em que a missão era compreendida como tarefa de
conquistar novos adeptos. Atualmente, cada vez mais um número maior de cristãos
compreende que a missão de toda Igreja, discípula de Jesus, é inserir-se na
realidade do mundo para testemunhar o projeto divino. E uma Igreja inserida na
vida do povo deve ajudar toda pessoa humana, religiosa ou não, cristã, budista
ou do Candomblé a descobrir e aprofundar que está no mundo para uma missão de
amor e de solidariedade. O Evangelho de Jesus é a boa notícia de que Deus tem
um programa a ser realizado no mundo e esse projeto começa a acontecer através
de toda pessoa de boa vontade. Nessa perspectiva, evangelizar não significa
ensinar uma doutrina, menos ainda converter alguém a uma determinada Igreja. É
colaborar para que o projeto divino (o reino) possa se manifestar em todas as
ações de justiça, fraternidade e paz. O reinado divino não depende da ação
humana, mas Deus quis manifestá-lo através de nós. Os cristãos não podem fazer
isso como quem é dono da verdade e precisasse convencer o outro de uma doutrina
religiosa. O importante é valorizar os sinais da presença e da atuação divina na
vida das pessoas que encontramos, nas realidades concretas do mundo e no
caminho das outras religiões com as quais somos chamados/as por Deus a
conviver.
Infelizmente,
há cristãos que ainda pensam que têm o monopólio de Deus. Como se Deus tivesse
assinado um contrato de exclusividade com algum grupo ou religião. Para esses, é bom recordar as narrações
dos evangelhos: uma vez os discípulos
contaram ao Mestre que tinham encontrado alguém que expulsava o mal das
pessoas. Eles proibiram porque a tal pessoa não pertencia ao grupo deles. Jesus
os repreendeu dizendo: “Não façam isso. Quem não está contra nós é porque está
do nosso lado” (Cf. Lc 9, 49- 50). Os evangelhos mostram Jesus em diálogo com
uma mulher samaritana. Dizem que ele curou o filho ou empregado de um oficial
romano e a filha de uma cananeia, seguidora de outra religião. Nunca
discriminou ou excluiu ninguém.
Atualmente,
na sua encíclica sobre o cuidado com a Terra, nossa casa comum, o papa
Francisco propõe que formemos uma aliança de toda a humanidade em favor da
terra e do ambiente. Nessa caminhada em comum para salvar a Terra e a natureza,
as religiões precisam se dar conta de que não basta proclamar que a natureza
sinaliza a presença divina ou que a criação é contínua e tem sempre por trás de
cada ser vivo um olhar carinhoso de Deus. É preciso mais do que tudo se
organizar e se articular para defender essa visão contra um sistema social e
econômico que é essencialmente depredador. Dentro da cultura e do modelo
econômico capitalista, é impossível uma verdadeira Ecologia. Nesse sentido, foi
um ganho fundamental, o papa Francisco ter centrado sua posição sobre a crise
ambiental na crítica ao sistema econômico mundial e ter mostrado que somente
uma Ecologia integral pode ser solução para a crise atual (Laudatum sii, cap.
IV, n. 137 ss).
Para
salvar a integridade da vida no planeta, é urgente deter esse modelo de
desenvolvimento, essencialmente, antiecológico e, ao mesmo tempo, garantir à
toda população pobre o acesso “à Terra, ao trabalho e ao teto”, como o papa
reclamou nos seus dois encontros com os representantes dos movimentos sociais. Em
um mundo que sofre a ameaça de profundos desequilíbrios climáticos e
ambientais, a missão mais urgente de todas as religiões é se integrarem na
caminhada da sociedade civil e dos movimentos e organizações sociais em uma
ação combinada. Essa aliança em favor do planeta tem sido sugerida por diversos
cientistas e atualmente pelo papa.
Dentro desse caminho comum, cabe às
religiões algumas tarefas próprias e importantes, como, por exemplo, restaurar
a dignidade da Política. A maioria de nós concorda que “a hegemonia da Economia
sobre a Política, no decorrer dos últimos 30 anos, foi uma catástrofe. Quando
essa situação tornou-se incontrolável e sem saída, na crise de 2008, as
empresas recorreram de novo à Política. Mas, que tipo de Política?”. É preciso
unir todas as pessoas de boa vontade e grupos articulados da sociedade civil
para “democratizar a democracia”, ou seja, possibilitar uma verdadeira
participação das bases nos processos sociais e políticos. Monsenhor Oscar
Romero, arcebispo mártir de El Salvador, afirmava que a verdadeira política tem
de ser baseada no cuidado com o bem comum e contar com a participação de todos
os cidadãos”.
Ao
insistir que a Igreja deve sempre colocar “em saída”, isso é, em uma atitude de
serviço ao mundo, o papa sabe que só essa postura de amor poderá trazer às
comunidades cristãs uma nova vitalidade. Como disse Jesus no evangelho: “quem
quiser poupar a sua vida, acaba perdendo-a e quem arrisca a perder a sua vida
(na doação aos outros) a salvará” (Mt 16, 25). Há poucos dias, um amigo comum esteve
em São Félix do Araguaia e visitou o nosso querido profeta, o bispo Pedro
Casaldáliga. Na conversa em comum, lhe perguntou: Como os cristãos devem
compreender sua missão, hoje, no mundo? O profeta Pedro respondeu: “A missão de
quem é cristão e das Igrejas é semear ressurreição”.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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