Por Juracy Andrade
Será, minha gente, que
Francisco de Roma vai ter tempo e condições de completar a faxina gigantesca
que começou a fazer nas estribarias de Áugias em que se transformou, ao longo
dos séculos, a corte papal? Hipócrita e indevidamente chamada de Santa Sé, Sé
Apostólica, pelo menos desde o século 4º ela é cenário de brigas pelo poder,
prepotência, negação do Evangelho, papas depravados se auto-apresentando como
infalíveis. Certamente houve tentativas de reverter tais escândalos e voltar
aos Atos dos Apóstolos, mas logo a Cúria Romana dava um jeito de se voltar à
“normalidade”, como ocorreu pós-João 23 e pós-João Paulo 1º. Aquele ainda
conseguiu convocar o Concílio dos anos 1960, logo controlado e neutralizado
pelos papas que se lhe seguiram. O primeiro João Paulo não durou um mês,
morrendo misteriosamente enquanto, consta, lia um dossiê sobre o Banco do
Vaticano (IOR).
Vem a seguir o longo
inverno do papa polonês, obcecado por livrar sua pátria do comunismo e, para
tanto, fazendo alianças com o demônio capitalista; protetor de fascistoides
como um tal de Escrivá, fundador do Opus Dei; canonizando pedófilos como o
mexicano Maciel; impondo a Olinda e Recife, após o pastorado de dom Helder, um
cara como dom Dedé (não vale a pena falar
deste, pois ele está se acabando, tomando a bênção a cachorro). Depois,
toma o poder vaticano o papa alemão, um teólogo fundamentalista, adversário da
teologia da libertação e das comunidades eclesiais de base.
Mais de 30 anos depois, graças
a um descuido dos cardeais votantes, a Igreja latino-americana manda para ser
bispo de Roma o cardeal argentino Mário Bergoglio, um jesuíta-franciscano que,
de saída, acabou com as dinastias papais, herdeiras do Império Romano,
escolhendo para si o nome de Francisco, simplesmente. Dali em diante, vem procurando,
para darmos um panorama abrangente, desmontar o edifício imperial e burocrático
que vinha sendo erguido desde que o imperador romano Constantino proclamou o
cristianismo religião oficial de Roma (uma aberração perante o Evangelho). É
tamanha essa tarefa que daí vem a minha pergunta acima. Será que teremos uma
recaída quando Francisco morrer ou renunciar? Aí seria por demais escandaloso.
A propósito de hipocrisias
como Sé Apostólica, Trono de Pedro (isto é o pior, imaginar São Pedro sentado
em um trono), pretendo transcrever uma carta de Martinho Lutero ao papa Leão 10,
em 1520. Ela comprova que Lutero não queria criar uma nova igreja e, sim,
descontaminar o papado. Começa assim: “Martinho Lutero saúda Leão 10º,
Pontífice Romano, em Cristo Jesus, Nosso Senhor. Amém. Vivendo entre os
monstros desta época, com os quais já pelo terceiro ano me ocupo e luto, às
vezes sou obrigado a dirigir o olhar e a recordar-me também de ti, Beatíssimo Pai Leão. E mais: como
aqui e ali tu és considerado a única causa
da minha luta, não posso jamais deixar de me lembrar de ti. É certo que a
injustificada fúria de teus ímpios aduladores me coagiu a apelar de tua Sé a um
futuro Concílio, em nada respeitando as
vaníssimas disposições de teus predecessores Pio e Júlio, que, com estulta
tirania, o proíbem”.
Viram? Um Concílio. Já imaginaram como a história do cristianismo
teria sido diferente se o papa houvesse convocado um concílio ecumênico? Mais
pra lá, veio o de Trento, mas como anti-Reforma.
Juracy Andrade é jornalista
com formação em filosofia e teologia
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