Por Frei Betto
Não se devem esperar grandes avanços na doutrina católica por parte do Sínodo
da Família, que se encerra no próximo domingo. O tema central, a família, é
espinhoso para os 270 padres sinodais reunidos em Roma, pois engloba questões
consideradas, há séculos, tabus para a cúpula da Igreja Católica: divórcio,
homossexualidade, uso de preservativo etc.
O papa Francisco difere de seus dois últimos antecessores por ter a coragem de
pôr o dedo na ferida. E o faz com um olhar misericordioso para com os gays e
aqueles que, fracassados no matrimônio, contraem segundas núpcias.
Sua atitude suscita, no seio da Igreja, fortes reações contrárias. Ouvi de um
bispo que “enquanto Bento XVI estiver vivo, meu papa é ele”. Na Espanha,
católicos conservadores se atrevem a fazer por Francisco esta oração: “Senhor,
ilumina-o ou elimina-o”.
Na véspera da abertura do sínodo, 13 cardeais (7 europeus, 3 estadunidenses, 2
africanos e 1 da Oceania) expressaram, em carta ao papa, agora vazada por um
vaticanista conservador, temer que ele manipule os trabalhos de modo a produzir
um documento final, sem levar em conta a opinião da maioria dos padres
sinodais.
Francisco é um monarca absoluto. Juridicamente não está sujeito a nenhuma
instância, exceto o juízo divino. Poderia impor normas e doutrinas aos
católicos sem consultar senão a sua consciência, como fizeram papas anteriores.
No entanto, decidiu adotar um comportamento que pode ser considerado
democrático. Por isso convocou o sínodo. Quer ouvir as bases.
Em reação à carta dos 13 conservadores, na abertura do evento o papa se referiu
“à hermenêutica conspiratória”, denunciando-a como “sociologicamente mais
frágil” e “teologicamente mais fragmentadora”. Deu um basta à mentalidade que
enxerga tramas e complôs por toda parte.
Conceder aos católicos divorciados e recasados o direito de receber a comunhão
ou eucaristia foi o tema que prevaleceu nos debates sinodais. Reinhard Marx,
cardeal de Munique, se posicionou favorável. “Quando a vida conjugal em um
casamento canonicamente válido fracassou definitivamente, e o matrimônio não
pode ser anulado (...), mas existe a vontade de viver a segunda relação na fé,
educando os filhos na fé, então se deve permitir o acesso à eucaristia”, disse
ele. Questionou também se as relações sexuais na nova união podem ser
consideradas adultério, como reza o preceito vigente na Igreja Católica.
Um prelado mexicano, cujo nome não foi divulgado, manifestou-se a favor do
cardeal Marx ao contar o caso do menino que, filho de casal separado,
comparecia toda semana à catequese levado pelo pai ou pela mãe. No dia da
Primeira Eucaristia, o garoto, ao receber a hóstia em mãos, repartiu-a em três
e, após tirar um pedaço para si, deu metade para a mãe e a outra ao pai.
O sínodo reflete a tensão crucial da Igreja, a contradição entre o peso das
leis canônicas e as exigências dos preceitos evangélicos. Como considerar
adúltero o novo casamento, se o próprio Jesus perdoou a mulher acusada de
adultério? Como banir da comunidade de fé alguém que, sendo homossexual,
sinceramente se abre ao amor infinito de Deus?
O sínodo tratou também do “martírio silencioso” sofrido pelas vítimas de
violência no interior do núcleo familiar, incesto e abusos sexuais. Francisco
tem manifestado o mea-culpa da Igreja diante dos casos de pedofilia,
bem como exigido rigorosa punição dos criminosos.
O fato é que a Igreja se encontra frente a um dilema: ceder à moral burguesa
que dissocia sexo e amor, e enquadrar o primeiro no moralismo farisaico, ou
focar a sexualidade como expressão do amor que une Pai, Filho e Espírito
Santo e, portanto, prioriza a espiritualidade e relega a genitalidade a segundo
plano.
Frei Betto é escritor,
autor de “Reinventar a vida” (Vozes), entre outros livros.
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