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quinta-feira, 22 de outubro de 2015

TENSÕES NO SÍNODO DA FAMÍLIA

Por Frei Betto



       Não se devem esperar grandes avanços na doutrina católica por parte do Sínodo da Família, que se encerra no próximo domingo. O tema central, a família, é espinhoso para os 270 padres sinodais reunidos em Roma, pois engloba questões consideradas, há séculos, tabus para a cúpula da Igreja Católica: divórcio, homossexualidade, uso de preservativo etc.

       O papa Francisco difere de seus dois últimos antecessores por ter a coragem de pôr o dedo na ferida. E o faz com um olhar misericordioso para com os gays e aqueles que, fracassados no matrimônio, contraem segundas núpcias.

       Sua atitude suscita, no seio da Igreja, fortes reações contrárias. Ouvi de um bispo que “enquanto Bento XVI estiver vivo, meu papa é ele”. Na Espanha, católicos conservadores se atrevem a fazer por Francisco esta oração: “Senhor, ilumina-o ou elimina-o”.

       Na véspera da abertura do sínodo, 13 cardeais (7 europeus, 3 estadunidenses, 2 africanos e 1 da Oceania) expressaram, em carta ao papa, agora vazada por um vaticanista conservador, temer que ele manipule os trabalhos de modo a produzir um documento final, sem levar em conta a opinião da maioria dos padres sinodais.

       Francisco é um monarca absoluto. Juridicamente não está sujeito a nenhuma instância, exceto o juízo divino. Poderia impor normas e doutrinas aos católicos sem consultar senão a sua consciência, como fizeram papas anteriores. No entanto, decidiu adotar um comportamento que pode ser considerado democrático. Por isso convocou o sínodo. Quer ouvir as bases.

       Em reação à carta dos 13 conservadores, na abertura do evento o papa se referiu “à hermenêutica conspiratória”, denunciando-a como “sociologicamente mais frágil” e “teologicamente mais fragmentadora”. Deu um basta à mentalidade que enxerga tramas e complôs por toda parte.

       Conceder aos católicos divorciados e recasados o direito de receber a comunhão ou eucaristia foi o tema que prevaleceu nos debates sinodais. Reinhard Marx, cardeal de Munique, se posicionou favorável. “Quando a vida conjugal em um casamento canonicamente válido fracassou definitivamente, e o matrimônio não pode ser anulado (...), mas existe a vontade de viver a segunda relação na fé, educando os filhos na fé, então se deve permitir o acesso à eucaristia”, disse ele. Questionou também se as relações sexuais na nova união podem ser consideradas adultério, como reza o preceito vigente na Igreja Católica.

       Um prelado mexicano, cujo nome não foi divulgado, manifestou-se a favor do cardeal Marx ao contar o caso do menino que, filho de casal separado, comparecia toda semana à catequese levado pelo pai ou pela mãe. No dia da Primeira Eucaristia, o garoto, ao receber a hóstia em mãos, repartiu-a em três e, após tirar um pedaço para si, deu metade para a mãe e a outra ao pai.

       O sínodo reflete a tensão crucial da Igreja, a contradição entre o peso das leis canônicas e as exigências dos preceitos evangélicos. Como considerar adúltero o novo casamento, se o próprio Jesus perdoou a mulher acusada de adultério? Como banir da comunidade de fé alguém que, sendo homossexual, sinceramente se abre ao amor infinito de Deus?

       O sínodo tratou também do “martírio silencioso” sofrido pelas vítimas de violência no interior do núcleo familiar, incesto e abusos sexuais. Francisco tem manifestado o mea-culpa da Igreja diante dos casos de pedofilia, bem como exigido rigorosa punição dos criminosos.

       O fato é que a Igreja se encontra frente a um dilema: ceder à moral burguesa que dissocia sexo e amor, e enquadrar o primeiro no moralismo farisaico, ou focar a sexualidade como expressão do amor  que une Pai, Filho e Espírito Santo e, portanto, prioriza a espiritualidade e relega a genitalidade a segundo plano.

Frei Betto é escritor, autor de “Reinventar a vida” (Vozes), entre outros livros.
      


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