Por Frei Betto
O Sínodo da Família, convocado pelo papa Francisco, teve início em Roma a 4 de
outubro, e será encerrado no próximo dia 25. Estão reunidos 270 padres sinodais
(bispos e cardeais), eleitos por 110 conferências episcopais; chefes de Igrejas
Orientais; 10 religiosos; peritos; e 18 casais (dois do Brasil).
O tema é “A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo”.
Na vigília de oração antes da abertura do evento, o papa lembrou que a Igreja
Católica não pode “permanecer no passado”, nem se comportar como “simples
organização”, e nela a autoridade é serviço e não dominação. Na Igreja, a
missão não deve se confundir com mera “propaganda”; o culto com “evocação”; e a
“prática dos cristãos, a uma moral de escravos.”
Esta última frase tem endereço certo: o legalismo moralista que ainda predomina
na Igreja e a faz mais parecida à hipocrisia dos fariseus que à misericórdia de
Jesus. Ainda há padres e religiosos que preferem, desde sua indigência
teológica e espiritual, apontar aos fiéis mais as penas do inferno que o amor
incondicional de Deus; as leis canônicas que a amorosidade do Evangelho; o
estigma da condenação que o afetuoso perdão espelhado no pai que festeja a
volta do filho pródigo. “Se não somos capazes de unir compaixão à justiça,
terminamos sendo seres inutilmente severos e profundamente injustos”, declarou
o papa.
Francisco enfatizou que a Igreja precisa abraçar “as situações de
vulnerabilidade que a põem à prova: a pobreza, a guerra, a enfermidade, o luto,
as relações (conjugais) laceradas e desgastadas e das quais brotam
dificuldades, ressentimentos e rupturas.”
O sínodo, uma assembleia consultiva, tem por missão debruçar-se sobre temas
que, há séculos, permanecem como tabus na Igreja, como a homossexualidade. As
três religiões do Livro – judaísmo, cristianismo e islamismo – no mínimo
sentem-se desconfortáveis com o fato de haver atração sexual e afetiva entre
pessoas do mesmo sexo. E, muitas vezes, se julgam no direito de rejeitá-las e
estigmatizá-las, como se Deus fosse um severo juiz moralista e não um Pai
amoroso. Ou “mais Mãe do que Pai”, como disse o papa João Paulo I.
Divorciados recasados podem ter acesso aos sacramentos? A relação sexual deve
estar sempre norteada pela intenção de procriar? O uso do preservativo merece
ser liberado? Como deve proceder a Igreja diante dos “órfãos sociais”, como se
referiu Francisco aos imigrantes que chegam à Europa?
São questões a serem debatidas por uma assembleia predominantemente masculina e
que formalmente se abstém de relações sexuais e, portanto, nunca constituiu
família. As decisões finais são prerrogativas do papa, que pode aceitar ou não
os resultados das votações sinodais.
Se João Paulo II foi um papa diplomata, empenhado na derrubada do Muro de
Berlim; e Bento XVI um teólogo preocupado em preservar a ortodoxia; Francisco é
um pastor e quer escancarar as portas da Igreja na mesma amplitude do coração
de Deus: venham todos, cegos, surdos, estropiados, pecadores. Assim como Jesus
acolheu a mulher samaritana que teve cinco maridos e vivia com um sexto
homem, que não era seu marido.
O papa Francisco tenta mover uma montanha, a Igreja Católica, com as próprias
mãos. Sabe que não é fácil enfrentar os paradoxos que caracterizam a
instituição: religiosos que fazem voto de pobreza e vivem confortavelmente em
comunidades ricas; clero aburguesado cuja teologia pouco difere do catecismo
elementar; mulheres impedidas de aceso ao sacerdócio; leigos infantilizados na
fé; preconceito aos homossexuais; insensibilidade frente aos pecados sociais.
Em 1910, dois terços dos católicos do mundo eram europeus. A continuar morrendo
mais padres que recebendo novos seminaristas, em breve a Europa terá um número
insignificante de católicos. E em todo mundo perdurará a contradição entre o
que Roma prega e os fieis praticam, como é o caso do preservativo. A menos que
a Igreja siga os passos de Francisco e procure responder a pergunta que ele se
faz: como agiria Jesus em pleno século XXI?
Frei Betto é escritor,
autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.
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twitter:@freibetto.
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