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quinta-feira, 8 de outubro de 2015

DESAFIOS DA IGREJA

Por Frei Betto


        O Sínodo da Família, convocado pelo papa Francisco, teve início em Roma a 4 de outubro, e será encerrado no próximo dia 25. Estão reunidos 270 padres sinodais (bispos e cardeais), eleitos por 110 conferências episcopais; chefes de Igrejas Orientais; 10 religiosos; peritos; e 18 casais (dois do Brasil).

        O tema é “A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo”. Na vigília de oração antes da abertura do evento, o papa lembrou que a Igreja Católica não pode “permanecer no passado”, nem se comportar como “simples organização”, e nela a autoridade é serviço e não dominação. Na Igreja, a missão não deve se confundir com mera “propaganda”; o culto com “evocação”; e a “prática dos cristãos, a uma moral de escravos.”

        Esta última frase tem endereço certo: o legalismo moralista que ainda predomina na Igreja e a faz mais parecida à hipocrisia dos fariseus que à misericórdia de Jesus. Ainda há padres e religiosos que preferem, desde sua indigência teológica e espiritual, apontar aos fiéis mais as penas do inferno que o amor incondicional de Deus; as leis canônicas que a amorosidade do Evangelho; o estigma da condenação que o afetuoso perdão espelhado no pai que festeja a volta do filho pródigo. “Se não somos capazes de unir compaixão à justiça, terminamos sendo seres inutilmente severos e profundamente injustos”, declarou o papa.

        Francisco enfatizou que a Igreja precisa abraçar “as situações de vulnerabilidade que a põem à prova: a pobreza, a guerra, a enfermidade, o luto, as relações (conjugais) laceradas e desgastadas e das quais brotam dificuldades, ressentimentos e rupturas.”

        O sínodo, uma assembleia consultiva, tem por missão debruçar-se sobre temas que, há séculos, permanecem como tabus na Igreja, como a homossexualidade. As três religiões do Livro – judaísmo, cristianismo e islamismo – no mínimo sentem-se desconfortáveis com o fato de haver atração sexual e afetiva entre pessoas do mesmo sexo. E, muitas vezes, se julgam no direito de rejeitá-las e estigmatizá-las, como se Deus fosse um severo juiz moralista e não um Pai amoroso. Ou “mais Mãe do que Pai”, como disse o papa João Paulo I.

        Divorciados recasados podem ter acesso aos sacramentos? A relação sexual deve estar sempre norteada pela intenção de procriar? O uso do preservativo merece ser liberado? Como deve proceder a Igreja diante dos “órfãos sociais”, como se referiu Francisco aos imigrantes que chegam à Europa?

        São questões a serem debatidas por uma assembleia predominantemente masculina e que formalmente se abstém de relações sexuais e, portanto, nunca constituiu família. As decisões finais são prerrogativas do papa, que pode aceitar ou não os resultados das votações sinodais.

        Se João Paulo II foi um papa diplomata, empenhado na derrubada do Muro de Berlim; e Bento XVI um teólogo preocupado em preservar a ortodoxia; Francisco é um pastor e quer escancarar as portas da Igreja na mesma amplitude do coração de Deus: venham todos, cegos, surdos, estropiados, pecadores. Assim como Jesus acolheu a mulher samaritana que teve cinco maridos e vivia com um sexto homem, que não era seu marido.

        O papa Francisco tenta mover uma montanha, a Igreja Católica, com as próprias mãos. Sabe que não é fácil enfrentar os paradoxos que caracterizam a instituição: religiosos que fazem voto de pobreza e vivem confortavelmente em comunidades ricas; clero aburguesado cuja teologia pouco difere do catecismo elementar; mulheres impedidas de aceso ao sacerdócio; leigos infantilizados na fé; preconceito aos homossexuais; insensibilidade frente aos pecados sociais.

        Em 1910, dois terços dos católicos do mundo eram europeus. A continuar morrendo mais padres que recebendo novos seminaristas, em breve a Europa terá um número insignificante de católicos. E em todo mundo perdurará a contradição entre o que Roma prega e os fieis praticam, como é o caso do preservativo. A menos que a Igreja siga os passos de Francisco e procure responder a pergunta que ele se faz: como agiria Jesus em pleno século XXI?

Frei Betto é escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.
  http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto.

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