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quinta-feira, 28 de maio de 2020

COVID 19 - HOMILIA DE PENTECOSTES EM TEMPOS DE CORONAVIRUS


Por Frei Aloísio Fragoso

 

     Logo mais iremos cantar com especial emoção "A Nós Descei Divina Luz".

     Para nossa sensibilidade religiosa, foi uma dor na alma não ter podido celebrar festivamente a PÁSCOA do Senhor, há semanas atrás, assim como o é, neste próximo domingo, não poder celebrar PENTECOSTES. Isso sob o olhar da tradição, porque, sob a luz da Fé, nunca tivemos uma oportunidade tão viva de estar em comunhão com o Senhor morto e ressuscitado, bem como aguardar, ardentemente, a vinda do Espírito Santo, com seus 7 dons.

     Desta vez, no entanto, em lugar de manter o estilo de nossas seguidas "REFLEXÕES", gostaria de sentir-me diante de uma grande assembléia litúrgica, e proferir a seguinte homilia:

     Queridos irmãos e irmãs. Hoje não quero lhes falar "sobre" o Espírito Santo. Dele não sei nada, nada que me faça capaz de dizer quem Ele é, como Ele é, e outras curiosidades teológicas. Quero, antes, convidar vocês para falar "ao" Espírito Santo, suplicar-lhe que venha com urgência até o nosso cenáculo, pois estamos isolados e amedrontados, como estavam os apóstolos, depois da Ascensão de Jesus. O Espírito desceu sobre eles, em forma de línguas de fogo, e ficaram todos transfigurados com a sua presença. É isso o que queremos: ser transfigurados.

     Alguns teólogos contemporâneos vêem no Espírito Santo a expressão feminina da Trindade. O Pai é o Amante. O Filho é o Amado. O Espírito Santo é o Amor. E este Amor se manifesta com palavras do gênero feminino, como ternura, misericórdia, gratuidade, mansidão, paciência, e assim por diante. Usemos então a linguagem do coração.

     Quando observou a tristeza dos apóstolos, na Última Ceia, por causa da sua despedida, Jesus prometeu-lhes enviar o Espírito Santo. Este viria esclarecer suas mentes sobre tudo que eles não tinham compreendido até aquele momento. E sua tristeza se converteria em grande alegria; em outras palavras, seriam novamente transfigurados.

     O Espírito veio de fato, mas não agiu como em um passe de mágica, não! Pelo que aconteceu logo a seguir, podemos imaginar quais teriam sido as suas palavras: "o que vocês estão fazendo aí, trancados como crianças medrosas?  Levantem-se e andem!". Para eles tinha passado o tempo do isolamento, pois o vírus dos fariseus, dos doutores da lei, dos sacerdotes do Templo, de Pilatos, de Herodes e dos Cesáres romanos já não fazia nenhum efeito nocivo nos seus seguidores. Eles estavam vacinados pela Fé na Ressurreição. Quanto a nós, não chegamos ainda a este ponto, temos que esperar mais algumas semanas, para termos direito também à nossa transfiguração. Contudo, esta começa a partir de nós mesmos, da nossa abertura, da nossa fidelidade, da nossa perseverança.

     Esta semana fiquei impressionado com a interpretação de uma jovem amiga ao otimismo que perpassa em nossas "REFLEXÕES": "entendo este otimismo, frei, como o olhar do Espírito Santo sobre as realidades humanas". Uma excelente idéia esta, que nos leva a perguntar: como podia ser diferente o seu olhar sobre Algo que tem origem Nele mesmo? Por outra parte, este olhar divino nos ilumina e estimula a realizar as mudanças indispensáveis, a fim de que seus dons não sejam inutilizados pela nossa passividade.

     Ao rezar com a Igreja "Enviai o vosso Espírito e tudo será criado, e renovareis a face da terra", estamos afirmando nossa fé de que Ele penetra em todos os seres, em todas as almas. Isso Ele faz, segundo outras passagens bíblicas, à maneira de um fogo ardente, de uma água corrente, de uma brisa suave. Não há nenhum espaço que não possa ser ocupado pela sua presença, exceto ali onde ela seja rejeitada.

     Contudo, não basta proclamar a ação global do Espírito Santo. Ele quer operar em cada um de nós, particularmente. "Vós não sabeis que sois templos do Espírito Santo e que o Espírito de Deus habita em vossos corpos?" 1Cor.3,16.

     Este nosso frágil corpo, capaz, no entanto, de imaginar as mais belas fantasias, de criar idéias poderosas, de realizar grandes façanhas, por vezes desfalece, fraqueja, desanima, deprime-se, entrega os pontos. Há momentos em que ele é contagiado por um vírus chamado "tédio de viver neste mundo" e tem vontade de isolar-se ou desaparecer. É aí que temos de lembrar onde se encontra o  nosso poder de conversão: o Espírito de Deus habita em nós, seus templos. Nele tudo se renova. Nele tudo se refaz!

     Que Ele venha visitar-nos com força total. Que venha agora, quando somos humilhados e enfraquecidos por um sentimento de impotência, uma sensação de que estamos perdendo os rumos e as rédeas do nosso destino. Que, entre outras coisas, livre-nos dessa crosta de insensibilidade  e hipocrisia, que trava nossa confiança no futuro do país. Amém? Não! Ainda não! Resta fazer uma advertência: nada de desânimo! Nada de pânico! Além da quarentena, precisamos manter a calma e o foco. A calma está em nós, o foco é Ele, o Espírito Santo de Deus. Como tem acontecido numerosas vezes no passado, Ele só espera o momento de nos surpreender outra vez com seu Fogo Incandescente. Apressemos este tempo de espera, pelo poder da Fé, suplicando com Santo Agostinho:

     "Oh como és grande nas coisas grandes e profundo nas coisas pequenas! Jamais te afastaste de nós, nós é que penamos para retornar a Ti. Age em nós, Espírito Divino! Agora! Agita-nos! Convoca-nos! Dá-nos tua Luz! Faze-nos sentir teu poder e tua doçura! Então poderemos nos amar e correr alegres pelas verdes pastagens!"

Amém!

FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

 


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