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quinta-feira, 7 de maio de 2020

COVID 19 - VIGÉSIMA QUINTA REFLEXÃO - A MONTANHA E A SEMENTE EM TEMPOS DE CORONAVIRUS


 

    Os antigos hebreus costumavam comparar o Reino de Deus com o monte Sião. Este era uma montanha real, imensa, altaneira, com ares de quem vai durar uma eternidade, porém estática, inamovível, feito pedra. Jesus, por sua vez, nunca usou esta comparação, preferiu a figura da sementinha, frágil, quase invisível a olho nu, contudo dinâmica, irrefreável, em contínua evolução. "O Reino de Deus assemelha-se à menor de todas as sementes; uma vez plantada em terra fértil, nasce e cresce até tornar-se uma árvore frondosa, onde os pássaros vem fazer os seus ninhos" Mt.13, 32.

    Esta imagem bíblica me vem à mente ao me deparar com uma outra, divulgada pelas redes sociais, que impressiona pela sua simbologia. Ela reproduz, numa visão panorâmica, milhares e milhares de navios petroleiros encalhados, nos mais diversos pontos da terra, estacionados, detidos, feitos prisioneiros a quem não interessa a liberdade, pois sem mover-se em todas as direções, eles não existem, estão mortos. Que ironia! Uma das mais cobiçadas riquezas da terra ali postada, inutilmente, sob o olhar apalermado de seus proprietarios.

     Nos últimos tempos, várias guerras foram deflagradas, com pretextos inventados, a fim de camuflar sua verdadeira razão: briga por petróleo. Agora o inimigo é pequenino, caladinho, monstrinho, invisível, devastador. Procura-se uma bomba capaz de destrui-lo e ele debocha de todos os arsenais de armas nucleares.

    Desdobremos esta imagem no seu significado simbólico:

     Se quisermos vê-la transparecer em um testemunho pessoal, escutemos a dolorosa confissão da filha do Presidente do Banco Santander, em Portugal: " somos uma família milionária, mas meu pai morreu sozinho,  sufocado, buscando algo que é gratuito....o ar. O dinheiro ficou em casa".

     Se quisermos acrescentar-lhe uma ilustração histórica, despojemo-nos de qualquer preconceito ideológico ou político e observemos como um dos países menores da terra sai de suas fronteiras e vai em socorro de 21 outros países, oferecendo-lhes seus médicos e sua coragem: Cuba.

     Se quisermos ainda o respaldo de uma autoridade moral acima de qualquer suspeita, consideremos o que afirma o Papa Francisco: "quem faz a mensagem é o coração do pastor e não as estruturas da Igreja".

     Fora das fronteiras da Fé, grandes poetas expressam este sentimento da alma. Um deles, Fernando Pessoa, tem um poema que começa "ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal" e termina "quem quer ir além do Bojador, tem que ir além da dor".

    Por fim, se quisermos transcender em nossa reflexão, ouçamos esta advertência de Jesus: "não tenham medo, pequeno rebanho, pois foi do agrado do Pai confiar-lhes seu Reino" Lc.12,32.

     Nosso primeiro impulso é de acreditar que somente a força de uma montanha tem chances contra outra montanha do mesmo tamanho. Não nos apercebemos como grandes erros da História foram cometidos a partir de Projetos grandiosos. Beneficiários de suas benesses, fechamos os olhos para suas sequelas morais, permitimos que a ferida fique sangrando até infeccionar todo o organismo. Algum dia, inesperadamente, esta infecção vira pandemia.

     É chegada a hora de fazer a escolha entre a montanha e a semente. Suposta a melhor opção, precisamos priorizar as pequenas coisas, pequenos gestos, pequenos planos, pequenos encontros, pequenas ações, pequenas vidas (pequenos só aos nossos olhos, pelos critérios que escolhemos para avaliar sua importância).

     Em seguida, libertos de ambições consumistas, começar a minar as bases do modelo de vida imposto pelo Sistema Capitalista neoliberal, com seu intento diabólico, que obriga as pessoas a ter mais medo de perder o emprego do que a vida, com sua indisfarçável insensibilidade diante das vítimas do COVID 19.

     Nestas condições, escolher o caminho da pequena semente é uma utopia, mas estamos amparados pela palavra do Senhor: "se vocês tiverem fé como um grão de mostarda, dirão àquela montanha "afasta-te daí" e ela obedecerá" Lc. 17,6.  Amém! Frei Aloísio Fragoso.

 

FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.


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