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quinta-feira, 14 de maio de 2020

COVID 19- - VIGÉSIMA OITAVA REFLEXÃO - ECUMENISMO EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS

por Frei Aloísio Fragoso

      É fácil observar como a pandemia do Coronavírus desencadeou um fenômeno que eu chamaria de ECUMENISMO, em seu sentido etimológico (palavra de origem grega, significa "mundo habitado" ou universalismo). Aplicado ao campo das religiões, consiste em um movimento que visa a unidade de todas elas.

     De fato, o Coronavírus nivelou as diferenças religiosas, étnicas e culturais. Nivelou-as pela base, onde repousa a realidade essencial das coisas.

     Ao observar uma multidão de pessoas usando máscaras protetoras, o que vemos? Vemos apenas aspirantes a novas vítimas da pandemia, se não se cuidarem. As máscaras visíveis escondem as outras máscaras aparentes e já não se distingue quem é mais bonito ou menos atraente. Desaparecem as diferenças discriminatórias e de nada valem as maquiagens. Só ficam a descoberto os olhos e, como estes são a janela da alma, não enganam.

     Dominados por sentimentos de medo e impotência, numerosas pessoas recorrem à proteção divina, e aí repete-se o mesmo fenômeno: não se pergunta por nome de religião, mas somente pelo que importa: Fé, Oração, Solidariedade, Esperança.

     Aí está uma bela imagem antecipada do Julgamento final, quando Deus perguntará apenas quem somos e o que fazemos e não mencionará outros rótulos que acrescentamos ao nosso ser e ao nosso agir (católicos, protestantes, islâmicos, carismáticos, pastores, monsenhores, cardeais....todos estarão submetidos a uma única sentença: "o que fizestes ao teu irmão, fizestes a mim" Mt.25,40).

     Na vastidão desta comunidade ecumênica, um grupo de crentes se reune pela Fé, a fim de suplicar ardentemente a cura da pandemia. Outro grupo de profissionais da saúde planeja seus trabalhos do dia seguinte,  junto às vítimas hospitalizadas. Um terceiro grupo de cientistas debate e partilha suas pesquisas, na busca da vacina salvadora. Todos estes, não importa nação ou religião, estão vivendo a mais autêntica espiritualidade, estão lidando com o dom primeiro e maior de Deus, a vida.

     Lembro-me, neste momento, de uma das cenas mais emblemáticas do filme "Matrix". Um dos líderes da resistência, Morpheu, pergunta a Neo, ainda assustado com as novidades: você quer provar a pílula azul que o fará voltar à vida normal, ou a pílula vermelha, que fará você ver o mundo como jamais o imaginou. Neo não hesita. Pega a pílula vermelha na mão de Morpheu e a engole. E aí, quando a consciência de Neo se expande e ele passa a ver o mundo como ele é, Morpheu o saúda: - bem-vindo ao deserto da realidade.

     No caso do COVID 19, não fomos nós os convidados a escolher entre a pílula azul ou a vermelha. Esta última invadiu nosso mundo e nos pegou de surpresa. Será que, daqui a alguns meses, ouviremos a mesma saudação "bem-vindos ao deserto da realidade?" E o que será este deserto da realidade?

     Assistiremos à ruína dos ídolos em que depositamos nossos anseios de felicidade? Veremos perder graça e valor  os nossos mais glamourosos objetos do desejo? Daremos adeus aos bens supérfluos, sentindo gosto de veneno em qualquer coisa, além das que precisamos?

     Não somos como os animais que, desde o nascimento, carregam do corpo da mãe tudo que estão destinados a ter e ser. Deus nos concedeu, desde que viemos a este mundo, as sementes de todas as possibilidades. Podemos, pois, reinventar-nos e reinventar a vida.

     Nós religiosos podemos descobrir que a verdadeira piedade não consiste em prostrar-se diante de símbolos religiosos, venerar relíquias seculares ou deixar-se borrifar de água benta, mas sim em ser capaz de nos abrir amorosamente ao outro, a Deus, ao universo.

      No terreno das relações humanas, podemos nos livrar da grande solidão de viver entre pessoas amáveis que só nos querem ver fingindo.

    Enfim, voltaremos às ruas mais humanos, tendo descoberto que, se Deus é Amor, fomos lançados neste mundo para agir em nome do amor.

     Tudo isso está inerente à visão profética de que este mundo nunca mais será o mesmo (nem teremos de deixar o destino político dos povos entregue nas mãos de psicopatas)

     Desta forma, teimamos em expor nossas utopias por que cremos firmemente que nossa vida é determinada  menos pelos nossos cálculos e planos e mais pelas surpresas de Deus. "Ele há de enxugar toda lágrima de seus olhos, e não haverá mais morte nem luto nem grito nem dor. As coisas antigas desapareceram. Eis que faço novas todas as coisas" Apoc. 21, 4ss.

Amém.

FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.


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