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terça-feira, 5 de maio de 2020

COVID 19 - VIGÉSIMA QUARTA REFLEXÃO - AS LIÇÕES DA HISTÓRIA (2) EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS


 

 

(continuação)

    Os traumas causados pela Peste Negra fizeram rachar algumas colunas mestras que sustentavam o edifício da Cristandade.

    O golpe mais profundo feriu de morte as "certezas" sobre a ação de Deus no meio do mundo, sobre a Divina Providência. Pode-se imaginar a crise de Fé gerada pela lembrança daquelas cenas dantescas, uma multidão de fiéis se auto-flagelando, guiados por líderes religiosos fanatizados, que garantiam, em troca, a cura milagrosa. Que cura? Onde esteve Deus, nestes 4 anos, que não escutou os gritos de socorro de 20 milhões de filhos seus?

    A sequência dos fatos revelou que o descrédito não atingiu a fé em Deus. Vivia-se uma época em que crer em Deus era a única defesa contra os absurdos da existência.

    Contudo, os seus representantes não escaparam. A Peste, com seu cortejo fúnebre, não fez diferença entre plebe, nobreza e alto clero. Estes viram desabar seu domínio absoluto sobre as classes "inferiores", domínio este garantido e sacramentado pela doutrina de que, por conta do seu papel de comando na sociedade, eles gozavam de uma proteção divina especial. As massas perceberam o engodo e reagiram com desprezo e revolta a séculos de submissão.

    Outra das mais graves sequelas afetou a conduta moral das pessoas. Não entrava mais na consciência da maioria a visão ascética de que esta vida  temporal só tem uma finalidade: preparar-se para a eternidade, por meio de boas obras e  paciência.

Não! Os bens prometidos para o céu deviam ser desfrutados já agora, na entrega aos amores e prazeres terrenos.

    No entanto, o abalo maior deu-se na segurança do Poder Econômico. Reduzida a mão de obra a menos de 50%, os trabalhadores se deram conta de um novo poder em suas mãos. Graças a esta escassez, o preço do seu trabalho alugado cresceu na mesma proporção. E, por este caminho, encontraram força de enfrentar a opressão dos senhores feudais e conquistar direitos  que nunca seriam alcançados por outros meios.Abriam-se Grandes brechas na muralha do Sistema Feudal. O mundo nunca mais seria o mesmo.

    E os teólogos, como reagiram a estes desafios que ameaçavam  a segurança do Império e da Fé?

    Eles repensaram sua teologia e espalharam novas interpretações. Tentaram, entre outras teorias, reduzir o mal a uma mera aparência. Quando enxergamos o mal em algum fenômeno ou acontecimento, estamos fazendo uma leitura equivocada da realidade. Se algo que hoje vemos como mal, pode redundar em um bem no futuro, então o mal que vemos é só aparente. Isso acontece porque a nossa visão se prende ao individual e ao provisório. Quando pensamos além destes limites, chegamos a outras conclusões.

    Por este prisma se chega a um novo mistério: às vezes se fazem necessários sacrifícios individuais para o bem da Criação como um todo. Jamais houve mudanças transformadoras da História Humana sem derramamento de sangue (desde Jesus no Calvário, passando pelos primeiros mártires, seguidos de numerosos outros ao longo dos séculos, até chegar a Dom Oscar Romero, Margarida Alves, etc.)

    Talvez mais de 90% dos que leram a nossa 24º Reflexão terão pensado: eu não sabia (ou não me lembrava) desse terremoto que destruiu Lisboa. Q. d. aqueles terríveis sofrimentos dissolveram-se na memória do passado.  Mas ficou Lisboa. Antes, mal-afamada pelas suas ruelas estreitas, sinuosas e sujas. Hoje os turistas admiram como elas são largas e lineares. Esta transformação teve início logo após o terremoto, graças ao enérgico Ministro Marquês de Pombal.

    Uns dirão: "há males que vem por bem". Outros retrucarão: "a preço de 50.000 cadáveres?".

    Se me fizerem esta pergunta ou quiserem associá-la ao COVID 19, confesso meu arrependimento de ter levantado estas questões. Pois só tenho uma resposta imediata: não sei! De uma coisa estou convicto: a nossa vida está enraizada muito mais em mistérios do que em ciências. A mente humana não possui a capacidade de apreender a totalidade destes mistérios. Por isso, muitas coisas há que não compreendemos  e jamais compreenderemos. Por outra parte, nossa Fé existe não para dar respostas e sim para dar forças. Respostas vem sempre acompanhadas de novas e mais complexas perguntas, enquanto forças espirituais nos levam a combater e superar os males. E, no final das contas, permanece uma última verdade da qual somos todos testemunhas: qualquer vida humana só se constrói com 3 matérias-prima insubstituíveis: trabalho, sofrimento e amor. E isso nenhuma pandemia pode destruir.

    Resta-nos orar: ESPÍRITO CRIADOR, VINDE A NÓS. VOSSA LUZ ACENDEI NA NOSSA MENTE. VOSSO AMOR NOS CONDUZA AO GRANDE FIM.

Amém.

FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

 


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