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terça-feira, 19 de maio de 2020

COVID- 19 - TRIGÉSIMA REFLEXÃO - ANTROPOVÍRUS EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS


Por   Frei Aloísio Fragoso

 

 

     Esta manhã me veio à cabeça uma ideia meio estapafúrdia, de assistir a um duelo entre um Coronavírus e um antropovírus. São duas palavras bastante sugestivas ("corona", do latim, coroa, e "antropos", do grego, ser humano). O mesmo sufixo para as duas poderia complicar, mas é aí que reside o segredo deste confronto. O vírus do corona origina-se de um microorganismo da natureza pura, enquanto o antropovírus procede de uma iniciativa do ser humano, em pleno gozo de suas faculdades mentais.

     Passemos ao cenário desta disputa.

     Andamos todos extremamente abalados pela ação devastadora do  COVID- 19. Não nos resta motivação de analisar as causas primárias e raízes profundas que nos fizeram chegar, enquanto humanidade, a esta tenebrosa situação. Por isso passam desapercebidas certas verdades que envelhecem nos subterrâneos da História ou são soterradas nos túmulos de suas vítimas. Logo se vê que se trata de verdades controversas.

     Observemos como os efeitos devastadores do Coronavírus irrompem à vista de todos, em palco aberto. A mesma coisa não acontece com a ação do antropovirus, suas sequelas escondem seu veneno, suas ofertas trazem embalagens enganadoras.

     A História mesma comprova que, em ambos os casos, estas sequelas podem virar pandemia, seguidas de milhões de vítimas.

    Consideremos alguns exemplos trágicos e representativos, originados da natureza cega ou provocados pela ambição humana:

     A Peste Negra sirva de primeiro exemplo; ela irrompeu em 1374,  durou 4 anos e ceifou 20 milhões de vidas. A Gripe Espanhola seja outro caso a considerar:  chamada Mãe das pandemias, perdurou de 1918 a 1919 e causou a morte de 50 milhões de pessoas. Bem maiores, no entanto, foram os números de mortos das duas grandes Guerras Mundiais: mais de 20 milhões, entre militares e civis, na primeira, deflagrada em 1918; e cerca  de 70 milhões, na segunda, iniciada em 1939. (usamos estatísticas oficiais, de acordo com seu cálculo máximo e aproximado).

     Além destas vítimas fatais, acrescentem-se outras milhões, a quem ensinaram como matar, mas não como continuar vivendo, e viraram mortos-vivos, no pós-guerra, por conta de depressão, traumas e paranoias.

     Os números falam por si mesmos, mas não constituem o argumento mais revelador das verdades ocultas. O ataque do Coronavírus é como a invasão de um "inimigo" inocente, que não sabe o que está fazendo. Já a deflagração da guerra é sempre proposital,  seus autores visam metas claras de conquista, domínio, poder, enriquecimento. No primeiro caso, o aniquilamento de vidas acontece irracionalmente, no segundo caso, intencionalmente. Em 1940, o vírus que desencadeou a segunda guerra mundial estava infiltrado na mente de um psicopata, chamado Hitler, contou com a conivência de dezenas de outros psicopatas e contaminou milhões "inocentes úteis" e omissos.(Hitler tornou-se parâmetro para outros tantos iguais a ele que se reproduzem na humanidade).

     Os antigos romanos tinham o seguinte ditado: "Bella matribus detesta" (as guerras detestadas pelas mães). Escolheram a imagem da dor no coração materno como símbolo do absurdo de todas as guerras.

     Atualizemos esta imagem. Imaginemos a dolorosa ansiedade das mães que esperam seus filhos internados, a quem não podem ver, ou profissionais da saúde nos hospitais destinados às vítimas da pandemia. Reportemo-nos também ao passado e imaginemos a ansiedade maior daquelas outras mães dos milhões de filhos lutando nos fronts da guerra, com poucas chances de voltar para casa. Podemos avaliar as estatísticas, os números, mas a dor é sempre a mesma.

     No século 15, um dos maiores gênios da História, Leonardo da Vinci, foi contratado para pintar um quadro em homenagem à batalha vitoriosa de seus conterrâneos. Ele iniciou a obra, mas nunca conseguiu acabá-la. O motivo é que resolvera pintar não a glória, mas sim a fúria de uma guerra. E concluiu que esta façanha supera a capacidade de qualquer gênio. Desistiu e escreveu, por fim: "a guerra é a mais bestial das loucuras".

     O mínimo que se pode aprender deste duelo fictício do vírus natural contra o artificial é que existe uma conexão irrevogável entre os seres criados. Eles não sobrevivem por caminhos autossuficientes. Assim como hoje debochamos da ignorância dos nossos antepassados, há milhares de séculos atrás, nossos descendentes irão rir da nossa incapacidade de saber como beneficiar-nos de microrganismos que hoje nos atacam e nos matam. Quantos séculos se passaram até compreendermos que muitos animais possuem armas mortíferas para defender-se e não para atacar! E por isso os atacamos como inimigos ferozes. Do veneno da cobra fabrica-se hoje o medicamento mais eficaz para casos emergenciais de hipertensão, o captopril. Nós que tememos vírus naturais fabricamos vírus morais muito mais devastadores. O pior deles acha-se enraizado no DNA do Sistema Social dominante, chama-se individualismo. O individualismo é incomparavelmente mais letal do que o Coronavírus.

     Na primeira página da Bíblia está escrito: "Tendo criado todas as coisas, Deus contemplou sua obra e viu que tudo era muito bom" Gen.1,31.

Nestas palavras há um chamado endereçado a toda a humanidade: descobrir a utilidade de todas as coisas criadas, inclusive destas que hoje nos amedrontam e provam como ainda somos pequenos.

FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

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