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sábado, 16 de maio de 2020

COVID 19 - VIGÉSIMA- NONA REFLEXÃO - O BEM E O MAL EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS


Por Frei Aloísio Fragoso

 

     Uma das passagens mais enigmáticas dos Evangelhos é aquela registrada por MT. 13,24ss. Jesus fala por meio de uma parábola. Os feitores de um certo proprietário rural lhe sugerem arrancar o joio que nascera juntamente com a erva boa, plantada pelos agricultores. O patrão responde "Não! Deixem que cresçam juntos, no tempo da colheita, eu mesmo farei a separação".

     Como aceitar uma tal estratégia que contraria a  lógica mais elementar? Como não isolar a semente que produz o mal da semente que produz o bem, enquanto é tempo?

     Estas indagações tão claras na sua formulação, mostram-se complicadas na sua aplicação prática. Parábola é metáfora, só encontra sentido se for avaliada no campo da vida real.

     Imaginemos um casal que gerou cinco filhos, e um deles, ao contrário dos outros, demonstra, logo cedo, inclinação para os vícios e a marginalidade. Imaginemos nós mesmos, quando escutamos duas vozes falando no mesmo peito, uma a nos chamar para o que é certo e outra, para o que é errado. Ainda que eu só atenda a uma delas, não tenho como extirpar a outra para sempre. Estas duas sementes coabitam em nossa natureza e só podemos viver e crescer aceitando esta convivência.

     Milhões de mentes humanas, focadas na tragédia do coronavirus, decerto já se perguntaram: por que Deus não eliminou o vírus assassino desde o primeiro momento?

     A sabedoria popular afirma: "há males que vem por bem". Sendo assim, se existe algo bom que procede de algo mau, então que é o mal, ele existe de fato?

     Santo Agostinho responde: não! Ele não existe. Sendo Deus o Sumo Bem, não podia ter criado o mal e, de fato, não o criou porque o mal não existe, ele não é algo,  ele é a ausência de algo (assim, a cegueira é a ausência da visão; a escuridão só surge pela ausência da luz). Alguém rebate: e por que Deus fez suas criaturas com estes condicionamentos? Agostinho responde: Ele quis criar um ser perfeito e, para isso, tinha que fazê-lo racional, dotado de livre arbítrio, capaz de escolhas livres, mesmo sob o risco de optar pelo mal.

     Além de Santo Agostinho, todos os grandes pensadores ocuparam-se deste assunto. Nenhum deles apresenta uma solução inquestionável.

     Na verdade, a solução não é filosófica, mas existencial. Cada um de nós carrega dentro de si estas duas forças antagônicas. Digamos que dentro de nós moram juntos e se confrontam um lobo e um cordeiro. Quem será o vencedor? Será aquele a quem eu mais alimentar. Nossa tarefa é fortalecer o cordeiro e enfraquecer o lobo

     Estas reflexões trazem alguma luz sobre o CONVID 19?  - sim, elas apontam saídas que ajudam a superar medos e angústias. Um dos maiores filósofos da História, chamado Nietzsche, viveu todo tempo se debatendo com este problema do bem e do mal. Ao fim, ele escreve: "aquilo que se faz por amor está sempre acima do bem e do mal".

    Foi o caso daqueles pais citados no início desta reflexão. Eles colocaram-se acima do bem e do mal, perdoando "a ovelha perdida", confiantes em que o filho amadurecesse e desenvolvesse as boas sementes nele plantadas. Isso também é amor.

     Agora sabemos quem dá, a este propósito, a melhor resposta, a mais convincente, coerente, comovente, exemplificada na luta contra o coronavirus. São os que se entregam por inteiro, sacrificam seu tempo, suas forças, seus talentos, seus direitos, seus sentimentos, medos, dúvidas, solidão, enfim, suas vidas, para aliviar sofrimentos, apaziguar angústias, salvar outras vidas. São profissionais da saúde, especialmente, mas também numerosos outros heróis e heroínas, trabalhando incansáveis, no anonimato.

     Frente à mediocridade geral, que distingue a mais alta esfera política da nação, contemplemos esses exemplos de santidade, da mais humana e útil das santidades, a fim de refazer em nossas almas, a confiança na bondade humana. Este é o desígnio do Criador: "Tendo criado todas as coisas, Deus contemplou a sua obra e viu que tudo era muito bom" Gen.1, 31.

Amém.

FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.


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