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terça-feira, 12 de maio de 2020

COVID 19 -VIGÉSIMA SÉTIMA REFLEXÃO - ESPIRITUALIDADE EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS

por Frei Aloísio Fragoso

     Passados dois meses de quarentena compulsória, no Convento de São Francisco, em Olinda, sinto-me mais enclausurado do que um monge da Idade Média. Para aqueles monges a clausura era uma opção de vida; para mim, nestas circunstâncias, é um aprisionamento. Eles procuravam um caminho de fazer transcender a sua existência terrena, eu procuro um esconderijo para escapar de um inimigo tenebroso e invisível, chamado Coronavírus. Ora, um inimigo invisível é capaz de penetrar pelas brechas de qualquer esconderijo. Logo, continuo suscetível e frágil. E daí? Daí só me resta aproveitar esta clausura e reaprender lições de sabedoria, talvez esquecidas, talvez nunca bem assimiladas. A primeira lição foi ficando clara com o passar dos dias: é muito fácil ser "santo" quando se está protegido das seduções mundanas pelas paredes de um grande Convento. A gente experimenta sentimentos de ser bom por não praticar maldades, de ser fiel por não quebrar o regulamento interno, de ser piedoso por não faltar  às orações, de viver em paz interior por não ter de que se estressar, enfim, "santo". Este sentimento, no entanto, se conflita com algumas interpelações: como autenticar uma santidade  que não enfrenta tentações, seduções, resistências? Como viver algo assim grandioso, de maneira tão fácil e aprazível? É verdade que nos ligamos ao mundo pastoralmente, quando atendemos aos pedidos de orações, bençãos, confissões, celebrações, os quais, no entanto, não custam sacrifício e não nos privam deste "dolce far niente".

     Não se conclua daí que conventos e mosteiros são lugares de fuga e ociosidade. Absolutamente. Eles possuem uma História milenar como centros de espiritualidade, onde se tenta vivenciar a procura do Absoluto, a sede de Deus. Mas, como acontece em toda parte em que seres humanos se reúnem, uns vivem de  verdades e outros de aparências, uns se tornam santos, outros permanecem farsantes. Então, que os santos sejam o critério de avaliar sua autenticidade, e os farsantes, critério para evitar mistificação. Sem mistificação,  podemos chegar a uma conclusão simples e justa: todas essas estruturas protetoras são apenas um espaço, entre muitos outros possíveis (a família, de modo particular) que se oferecem a quem busca aperfeiçoamento e santificação.

     Ampliemos nosso entendimento para aplicar estas idéias ao COVID  - 19.

     Conforme o pensamento dos grandes místicos, ainda que nosso corpo permaneça onde está, podemos conduzir nossas almas para todos os lugares, podemos projetar mundo afora pensamentos, sentimentos, desejos, emoções. Por isso nossos pensamentos afetam outras pessoas, assim como somos afetados pelo que elas pensam. Imaginemos bilhões de mentes humanas convergindo, na mesma hora,  para um mesmo e único e intensíssimo desejo: a cura do coronavírus. Um fenômeno como este possui um inaudito poder de superação.

     É assim que as almas se interpretaram. Um espaço físico cheio de gente está também cheio da extensão de suas mentes e de suas almas. Quando um ora, toda a humanidade está em oração. Quando um eleva os braços para Deus, milhões de braços estão elevando-se. Na Epístola aos Coríntios, S. Paulo compara a Igreja a um corpo humano e escreve "se um membro sofre, todo o corpo sofre; se um membro se alegra, o corpo inteiro se anima" 1Cor.12,26.

     A tragédia do Coronavírus nos traz a oportunidade de viver esta mística de modo real e convincente. Sob a pressão de uma necessidade comum, vencemos nossas repulsas naturais, quebramos o gelo que nos isola e alcançamos razões de sobra para acreditar no incomensurável poder da oração, irradiando-se no planeta, como uma luz difusa, como uma energia contagiante, para além de fronteiras e diferenças.

     Deixemos de incomodar nossos olhos com a visão de tantas futilidades e passemos a olhar o mundo  com os olhos de Deus, pois, a exemplo Dele, se quisermos transformá-lo, temos primeiramente de amá-lo: "Deus amou o mundo de tal maneira que lhe deu seu Filho Único, mas Este não veio julgar e condenar e sim salvar o mundo" Jo. 3,16ss.

 Amém.

FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.


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