Por Frei Betto
Natal
é festa de infância, ainda que tenhamos 90 ou 100 anos. A criança que fomos
jamais morre em nós. Ao longo do tempo, ela inclusive nos salva da aridez da
vida quando, na memória, a evocamos. São inesquecíveis as pessoas que cobriram
nossa infância de carinho e cuidados.
Falo
por mim em meados do século XX, criança na Belo Horizonte com menos de 1 milhão
de habitantes, toda arborizada e adornada de pulseiras de prata: os trilhos dos
bondes. O tempo espreguiçava, e com tantas ladeiras e sem tantos prédios os
olhos podiam admirar a policromia do crepúsculo que faz jus ao nome da cidade.
Na
Serra do Curral, escalávamos o pico, ponteado pela cruz que a mineração
predatória decepou. No Parque Municipal, alugávamos canoas e aprendíamos a
remar. No quintal dos Dolabella, nos fartávamos de mangas. No canteiro gramado,
que dividia as pistas da Avenida do Contorno, jogávamos peladas. No Minas Tênis
Clube, seu Macedo nos ensinava a nadar e a dominar cavaletes, barras e argolas
de exercícios físicos. No Cine Pathé, as matinês de domingo protegiam no
escurinho os primeiros namoricos. Ao fim da tarde, o incomparável sorvete de
seu Domingos (que perdura e deveria ser tombado pelo Patrimônio Gastronômico
Mineiro).
O
Natal se revestia de caráter religioso. Eram audíveis os sinos das igrejas,
destacando-se o carrilhão da igreja do Carmo. Escrevíamos cartas a Papai Noel,
para garantir os presentes, mas tínhamos plena convicção de que se tratava da
festa de nascimento de Jesus. Na sala de casa, o presépio à luz da árvore toda
enfeitada. No centro da cidade, a exposição do magnífico Presépio do Pipiripau
(hoje no Museu de História Natural da UFMG), que encanta crianças e adultos. À
noite, Missa do Galo, seguida da ceia em família, na qual jamais faltava
rabanada.
Viramos
adultos, e muitos de nós ficaram indiferentes à religião e insensíveis à
liturgia. Deixamos que a papainoelização da data obscurecesse sua origem
cristã. Filhos e netos já nem sabem recitar de cor uma oração. O que era
alegria de uma festa virou ânsia consumista para, inclusive, tentar encobrir
nosso débito com outrem: já que não me faço presente, dou-lhe presente.
O
que era expectativa, advento, agora é preocupação de não esquecer ninguém a
quem nos sentimos na obrigação de presentear. O que deveria ser gratuidade,
torna-se compulsório. E somos tomados pela fissura de, seis dias depois,
celebrar o réveillon, empanturrando-nos de comidas, bebidas e novos propósitos.
Há que aproveitar o verão e as férias das crianças para sair de casa, viajar,
descansar do trabalho, em busca de lazer na praia, no campo ou em algum recanto
turístico, enfrentando estradas perigosas e preços abusivos.
Que
tal uma viagem à criança que fomos? Se ousássemos, tudo ficaria mais simples.
Livres de preconceitos, seríamos e faríamos os outros mais felizes. Talvez
aquele amigo prefira uma boa conversa do que o presente embalado sob selo de
grife. Despojados de agressividade, ciúme e inveja, não haveríamos de
discriminar ninguém. Prestaríamos inclusive atenção naqueles que se privam das
boas festas para garantir as nossas: garçons, cozinheiras, camareiras,
faxineiras, guardas rodoviários, porteiros e seguranças.
Então,
sim, nossos corações, quais presépios, estariam abertos e prontos a acolher
Deus que se fez um de nós no Menino de Belém.
Frei Betto é
escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.
http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto.
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