Por Frei Betto
Há uma
nova doença nos anais da medicina: a nomofobia, o medo de ficar sem celular. O
termo foi cunhado no Reino Unido, e deriva de “no mobile phobia”. O fato é
óbvio: para qualquer lugar que se olhe, as pessoas estão atentas ao celular –
rua, restaurante, local de trabalho, ônibus, metrô, escola, e até igreja.
Não
sem razão, a revista Forbes
considerou o mexicano Carlos Slim, em 2013, pela quarta vez consecutiva, o
homem mais rico do mundo, com uma fortuna calculada em 73 bilhões de dólares.
Com negócios na área de comunicação em vários países, no Brasil ele controla a
Globopar (Net), a Claro e a Embratel.
O
Brasil é o 60º país do mundo mais conectado por celular, e o 4º a dar mais
lucros às empresas de telefonia. O brasileiro gasta, em média, 7,3% de sua
renda mensal com o uso do telefone móvel. Em julho deste ano, nosso país
dispunha de 267 milhões de aparelhos.
Essa
fissura de manter o celular ligado o tempo todo – e manter-se ligado ao celular
todo o tempo (até na hora de dormir) – se explica pela hipnose coletiva gerada
pelas redes sociais.
Uma
das anomalias de nossa época pós-moderna é o esgarçamento das relações pessoais
e comunitárias. A família tradicional, que se reunia à mesa de refeições ou na
sala para conversar, é hoje um bem escasso. As relações matrimoniais mal
resistem à primeira crise. Segundo o IBGE, as uniões conjugais duram, em média,
cerca de sete anos!
Na
opinião de Aristóteles, amizades são imprescindíveis à nossa felicidade. No
entanto, nesse mundo competitivo, muitas andam contaminadas por inveja, ciúme,
cobranças, ou prejudicadas pela falta de tempo.
Resta
então, nesse mar revolto no qual naufragam antigos e saudáveis costumes, a ilha
salvadora do celular! O aparelho corresponde muito bem às contradições da
pós-modernidade: por ele me comunico, sem conversar; opino, sem me comprometer;
me expresso, sem me envolver; troco mensagens e torpedos, sem me doar a ninguém
e a nenhuma causa.
O
fascínio do celular consiste em amenizar minha solidão sem exigir
solidarizar-me. Estou na rede, interajo com inúmeras pessoas e, no entanto,
fico na minha, olhando o meu umbigo, indiferente ao fato de algumas dessas
pessoas estarem sofrendo ou, pelo menos, necessitando de minha presença física
consoladora ou incentivadora.
O
celular faz de mim, Clark Kent, um Super-Homem. Eu, a quem quase ninguém presta
atenção, agora gozo de um público multimídia ligado no que expresso. Em
contrapartida, o celular me rouba tempo: de leituras, de trabalho, de
convivência familiar e com amigos. Com ele ligado no bolso ou ao meu lado, fica
cada vez mais difícil a concentração.
O
celular é um espelho mágico. Repare como as pessoas o fitam. É como se vissem
na tela. Por ser um equipamento eletrônico dotado de múltiplos recursos, ele me
traz a sensação de que sou um Pequeno Príncipe capaz de visitar sucessivamente
diferentes planetas.
No
celular eu me enxergo como gostaria que as pessoas me vissem. Com a vantagem de
que ele dissimula minha verdadeira identidade, meu modo de ser, permitindo que
eu me esconda atrás dele. Ele faz de mim um ser onipresente. O que transmito é
captado por uma rede infinita de pessoas que, por sua vez, podem reproduzir a
inúmeras outras.
Hoje em
dia os consultórios médicos já lidam com crianças, jovens e adultos que padecem
de nomofobia. Gente que não consegue se desconectar do aparelho. Vive as 24h do
dia ligada a ele.
Ah,
como é saudável estar bem consigo mesmo e manter o celular desligado por um bom
tempo, sobretudo à noite! Mas isso exige o que parece cada vez mais raro nos
dias atuais: boa autoestima, falta de ansiedade, consistência subjetiva, gosto
pelo silêncio e uma vida ancorada em um sentido altruísta.
Frei Betto é escritor, autor do romance “Aldeia do
silêncio” (Rocco), entre outros livros.
http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto.
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