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sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Mandiba e Amanda: uma união inseparável



 Por Maria Clara Bingemer 


                                                                      
            Quando no último dia 5 de dezembro correu a notícia, o mundo calou-se em reverente silêncio.  E este silêncio respondia a outro: o calar para sempre da voz de Nelson Mandela, carinhosamente chamado Madiba pelo povo sul-africano. Com 95 anos, em Johanesburgo, calava-se a voz e desaparecia a presença que inspirou todas as gerações que viveram no século XX e neste início de século XXI.

            Nascido em meio às tribos que seu pai, como conselheiro e consultor, percorria, Mandela foi batizado na Igreja metodista quando já adolescente, saiu de sua aldeia e foi estudar na cidade grande.  Ali, em contato com a história da África do Sul aprendeu como seu povo havia vivido em paz e concórdia até a chegada do colonizador branco.  A partir de então, as divisões e conflitos que culminariam no cruel e desumano “apartheid” não deixaram de estar no centro da atenção deste jovem, que abandonou seus sonhos, quaisquer que fossem, para dedicar-se a uma intensa atividade não violenta pela libertação dos seus.

            Esta opção de vida lhe trouxe não poucos problemas e conflitos.  Como todos os que lutam por liberdade e justiça, Madiba foi perseguido, incompreendido, ameaçado e passou pela prisão um bom número de vezes.  No entanto, o sonho expresso pela palavra “Amanda!”, grito que em africâner significa “Liberdade” e que marcava as lutas antiapartheid na África do Sul, nunca mais o abandonou.  Amanda era como uma noiva que Mandela amava mais que tudo, mais que a própria vida. E Amanda comandava suas opções, decisões,  gestos e palavras. 

            Ativamente envolvido no movimento anti-apartheid, Madiba chegou ao Congresso em 1942. E desde ali dirigiu jovens e grupos emergentes em seu país através da  prática de boicotes, greves, desobediência civil e não cooperação.  Seus objetivos, assim como o de seus seguidores, eram plena cidadania, redistribuição da terra, direitos sindicais e educação obrigatória e gratuita para todas as crianças sul africanas.

            Por vinte anos, Mandela dirigiu atos não violentos de questionamento ao governo e suas políticas racistas.  Em 1956 foi preso juntamente com 150 outros por sua luta em prol dos direitos humanos. Não foi a primeira nem a última vez.

            Durante 62 anos, dos quais 27 na prisão, Rolihlahia Mandiba Mandela lutou, sem disparar um tiro, pela emancipação da África do Sul.  No cárcere, aquele que era seu carcereiro tornou-se seu grande amigo. Por ser considerado preso de alta periculosidade, o pacífico Madiba tinha um guarda pessoal. Este depois escreveu um livro para narrar como passara de carcereiro a amigo e admirador incondicional daquele que estivera preso sob sua guarda e uma vez liberto era presidente da República.

            A amizade entre os dois começou no início da década de 1960, quando Mandela foi preso por liderar um movimento de desobediência civil contra o governo. Levado a julgamento, foi condenado à prisão perpétua e enviado para o presídio onde Gregory trabalhava. Com o passar dos anos, o guarda teve a oportunidade de conhecê-lo melhor. “Comecei a ficar impressionado com a pose altiva daquele negro forte e logo descobri que ele era motivado por uma grande causa, com a qual eu, particularmente, não concordava, mas entendia”.

            Ganhando o amor e a fidelidade dos amigos e a admiração dos inimigos e adversários, Mandela atravessou seus mais de 27 anos de cárcere.  Amanda-Liberdade não deixou de acompanhá-lo durante todo este tempo. Nunca deixou de ser um homem livre, pois as grades não são capazes de construir a liberdade, mas a liberdade, sim, é capaz de fazer com que toda grade perca seu poder de aprisionar e cercear. Manteve firme a crença em seus ideais e continuou sua luta pacífica pelos direitos da maioria negra de seu país.

            Liberto, ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1993 e, no ano seguinte, foi eleito primeiro presidente negro da África do Sul. Era a primeira eleição  democrática e multirracial de seu país. Hoje as ruas estão coloridas dessa gente que o altivo Madiba libertou da escravidão moderna do apartheid.  Seu luto é feito de cantos de alegria e celebração pela vida deste homem que não dava um passo sem ser de mãos dadas com Amanda.   Da mesma linhagem que Mahatma Gandhi e Martin Luther King, o corpo de Madiba é reverenciado e carregado pelas ruas de Pretória.  Ao fundo, o punho levantado e o grito de paz que ele celebrizou: “Amanda!  Amanda!“ E o legado maior de que os seres humanos não nascem odiando.  São ensinados a isso.  E se podem aprender a odiar, também podem aprender a amar. 

 Maria Clara Bingermer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio. A   teóloga é autora de “O  mistério e  o mundo – paixão por Deus em tempo de descrença”  (Editora Rocco).

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