Por Maria Clara Bingemer
Quando no último dia 5 de dezembro correu a notícia, o mundo calou-se em
reverente silêncio. E este silêncio respondia a outro: o calar para
sempre da voz de Nelson Mandela, carinhosamente chamado Madiba pelo povo
sul-africano. Com 95 anos, em Johanesburgo, calava-se a voz e desaparecia a
presença que inspirou todas as gerações que viveram no século XX e neste início
de século XXI.
Nascido em meio às tribos que seu pai, como conselheiro e consultor, percorria,
Mandela foi batizado na Igreja metodista quando já adolescente, saiu de sua
aldeia e foi estudar na cidade grande. Ali, em contato com a história da
África do Sul aprendeu como seu povo havia vivido em paz e concórdia até a
chegada do colonizador branco. A partir de então, as divisões e conflitos
que culminariam no cruel e desumano “apartheid” não deixaram de estar no centro
da atenção deste jovem, que abandonou seus sonhos, quaisquer que fossem, para
dedicar-se a uma intensa atividade não violenta pela libertação dos seus.
Esta opção de vida lhe trouxe não poucos problemas e conflitos. Como
todos os que lutam por liberdade e justiça, Madiba foi perseguido, incompreendido,
ameaçado e passou pela prisão um bom número de vezes. No entanto, o sonho
expresso pela palavra “Amanda!”, grito que em africâner significa “Liberdade” e
que marcava as lutas antiapartheid na África do Sul, nunca mais o
abandonou. Amanda era como uma noiva que Mandela amava mais que tudo,
mais que a própria vida. E Amanda comandava suas opções, decisões, gestos e palavras.
Ativamente envolvido no movimento anti-apartheid, Madiba chegou ao Congresso em
1942. E desde ali dirigiu jovens e grupos emergentes em seu país através
da prática de boicotes, greves, desobediência civil e não
cooperação. Seus objetivos, assim como o de seus seguidores, eram plena
cidadania, redistribuição da terra, direitos sindicais e educação obrigatória e
gratuita para todas as crianças sul africanas.
Por vinte anos, Mandela dirigiu atos não violentos de questionamento ao governo
e suas políticas racistas. Em 1956 foi preso juntamente com 150 outros
por sua luta em prol dos direitos humanos. Não foi a primeira nem a última vez.
Durante 62 anos, dos quais 27 na prisão, Rolihlahia Mandiba Mandela lutou, sem
disparar um tiro, pela emancipação da África do Sul. No cárcere, aquele
que era seu carcereiro tornou-se seu grande amigo. Por ser considerado preso de
alta periculosidade, o pacífico Madiba tinha um guarda pessoal. Este depois
escreveu um livro para narrar como passara de carcereiro a amigo e admirador
incondicional daquele que estivera preso sob sua guarda e uma vez liberto era
presidente da República.
A amizade entre os dois começou no início da década de 1960, quando Mandela foi
preso por liderar um movimento de desobediência civil contra o governo. Levado
a julgamento, foi condenado à prisão perpétua e enviado para o presídio onde
Gregory trabalhava. Com o passar dos anos, o guarda teve a oportunidade de
conhecê-lo melhor. “Comecei a ficar impressionado com a pose altiva daquele
negro forte e logo descobri que ele era motivado por uma grande causa, com a
qual eu, particularmente, não concordava, mas entendia”.
Ganhando o amor e a fidelidade dos amigos e a admiração dos inimigos e
adversários, Mandela atravessou seus mais de 27 anos de cárcere.
Amanda-Liberdade não deixou de acompanhá-lo durante todo este tempo. Nunca
deixou de ser um homem livre, pois as grades não são capazes de construir a
liberdade, mas a liberdade, sim, é capaz de fazer com que toda grade perca seu
poder de aprisionar e cercear. Manteve firme a crença em seus ideais e
continuou sua luta pacífica pelos direitos da maioria negra de seu país.
Liberto, ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1993 e, no ano seguinte, foi eleito
primeiro presidente negro da África do Sul. Era a primeira eleição democrática e multirracial de seu país. Hoje
as ruas estão coloridas dessa gente que o altivo Madiba libertou da escravidão
moderna do apartheid. Seu luto é feito de cantos de alegria e celebração
pela vida deste homem que não dava um passo sem ser de mãos dadas com
Amanda. Da mesma linhagem que Mahatma Gandhi e Martin Luther King,
o corpo de Madiba é reverenciado e carregado pelas ruas de Pretória. Ao
fundo, o punho levantado e o grito de paz que ele celebrizou: “Amanda!
Amanda!“ E o legado maior de que os seres humanos não nascem odiando. São
ensinados a isso. E se podem aprender a odiar, também podem aprender a
amar.
Maria Clara Bingermer é professora
do Departamento de Teologia da PUC-Rio. A teóloga é autora de “O
mistério e o mundo – paixão por Deus em tempo de descrença”
(Editora Rocco).
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