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terça-feira, 24 de dezembro de 2013

O caminho de Natal



Marcelo Barros
Aeroportos superlotados e estradas cheias de veículos mostram que, para as festas de Natal, muitas pessoas viajam, muitos para reencontrar a família ou amigos, outros para aproveitar as merecidas férias de final de ano. Esse caminho do Natal que aproxima as pessoas é bom, mesmo se não tem relação com a origem religiosa da festa.  Conforme os evangelhos, o caminho do Natal foi trilhado pela primeira vez por pastores de ovelhas que, durante a noite, tiveram a experiência de ver um mensageiro de Deus e ouvir a notícia do nascimento de Jesus. O relato conta que, assim que os anjos se foram, os pastores correram para ver o que de fato acontecera. Os anjos haviam dado um sinal: “vocês encontrarão um menino recém-nascido deitado em uma manjedoura”. E eles encontraram tudo conforme lhes fora anunciado. 

A primeira coisa que chama a atenção no caminho do Natal é a enorme contradição entre o esplendor do anúncio dos anjos e a pobreza do que os pastores encontraram: uma manjedoura e, nela depositado, uma criança pobre. Hoje, o comércio nos diz que o caminho do Natal é o dos shoppings, das festas de comilança e consumo. O Evangelho nos convida a retomarmos o caminho dos pastores e procurar a presença divina no que há de mais humano e, principalmente, na realidade das pessoas feridas pela pobreza, pela injustiça e pela marginalidade. Ao insistir que Jesus nasceu como migrante, em uma Belém “onde não havia lugar para eles na hospedaria”, a tradição não quer apenas sublinhar que Deus está presente junto aos empobrecidos, mas que está para lutar a seu favor contra as injustiças do mundo.

Os antigos pastores da Igreja ensinavam que a cruz de Jesus foi feita com a mesma madeira do presépio de Belém. Era o seu modo de dizer que, ao deitar na manjedoura, Jesus já estava assumindo sua condição de pobre, marginal e condenado pelo poder do mundo. Assim como a cruz, também o presépio não era apenas, como em nossas casas, apenas um enfeite piedoso. O presépio é um sinal da solidariedade de Deus conosco; um modo de dizer a toda pessoa injustamente marginalizada: Deus está do seu lado e vem lutar junto com você por sua libertação. 

 Essa festa de Natal não é uma repetição da história de Belém. Os cristãos fazem memória do nascimento de Jesus para proclamar que a presença divina se manifesta na realidade humana e nos chama a sermos testemunhas do projeto divino em meio aos conflitos e sofrimentos dos empobrecidos no mundo atual. Nem todo mundo que ornamenta suas casas com enfeites de Natal e põem na sala imagens de um presépio fazem verdadeiramente o caminho do Natal. Não adianta cantar “Noite feliz” e desejar Feliz Natal se sua ação é contrária à vontade de Deus que é justiça e vida para todos. 

Quem dificulta e embarga a demarcação de terras indígenas, essenciais para a vida e a sobrevivência das comunidades, deve saber que o seu Natal não é o mesmo do caminho dos pastores de Belém. Ao ferir a justiça e optar pela ambição humana, essas pessoas seguem o projeto do rei Herodes, responsável pela morte das crianças pobres de Belém e não o caminho dos pastores. Hoje, os anjos que nos anunciam que a Palavra Divina se faz carne e se manifesta em nossa realidade humana e social são pastores como Dom Pedro Casaldáliga e Dom Tomás Balduíno que, mesmo com o peso da idade e a saúde frágil, continuam seu cuidado amoroso e profético em favor dos pequeninos, objeto da predileção divina.

   Cada um/uma de nós tem em sua vida pessoal aspectos que parecem menos nobres e apresentáveis. Esse lado de nossa vida pode tornar-se como uma manjedoura na qual a presença divina vem se manifestar solidária e amorosa. Hoje, Jesus repousa nas palhas de nossa vida para nos conduzir a uma mudança de vida e à transformação do mundo. Esse é o caminho novo do Natal.



MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos quais  “O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br


 
 
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