Por
Assuero Gomes
Durante
alguns anos de sua vida o padre vivenciou uma vida de fé, servindo numa
paróquia de periferia em um dos morros do Rio de Janeiro. Muito jovem, ligado
aos ideais das lutas sociais e religião, teve uma bonita e profunda formação
teológica cristã engajada. Oriundo de família pobre do interior de Minas,
conseguiu a muito custo se ordenar. A designação para trabalhar na comunidade
do Morro foi o coroamento do sonho que sempre idealizara, desde os primórdios
da vocação. Servir ao pobre e libertá-lo.
Um
difícil sonho de ser sonhado e que muitas vezes tornou-se como um pesadelo,
pois a violência, como a besta do Apocalipse, tentava devorar a tudo e a todos.
Ameaçado
constantemente por traficantes, pelo descaso dos programas do governo, por
falta de incentivo da própria comunidade amedrontada, esse padre tinha um
grande consolo. Ao final de cada tarde, antes de celebrar, ele se punha de
joelhos em frente ao sacrário improvisado na capelinha, e sentia a presença do
Ressuscitado, quase que falando fisicamente com ele.
Passando
o tempo, o padre foi se revoltando com a falta de ‘sucesso’ de sua pastoral.
Desanimado, foi se sentindo impotente, abandonado, diante de seu ‘fracasso’,
pois os jovens na sua maioria se entregaram às drogas e à prostituição.
Teve
seu barraco e a capelinha incendiada, denunciou à polícia, sem êxito, pois a
própria corporação policial evitava o confronto direto naquela localidade.
Desesperou-se. Procurou reunir o pessoal do Morro, procurou falar com alguns
políticos, sem nenhum sucesso. Enfim, numa tarde, talvez uma das últimas, ele
conversou com Ele: “estou cansado, muito cansado. Não vejo nem Tu ajudar-me.
Vou embora. Cuida desse rebanho que é Teu”. Nesse dia não sentiu nenhuma
resposta.
Mudou-se,
entregou a capelania, com o tempo foi ser ativista político e ensinar numa
escola pública, casou. Os anos se passaram. Perdeu a fé.
Um
novo padre, recém-ordenado, retomou o trabalho pastoral naquele local. Aos
poucos obteve algum sucesso, uma meia dúzia de jovens e algumas senhoras
idosas, passaram a frequentar assiduamente a capela, que foi restaurada. Muito
sacrifício e dedicação da mesma forma que seu antecessor, muita resistência
também.
Ultimamente
um homem, de certa idade, cansado e melancólico sobe ao morro quase três vezes
por semana e vai ficar perto do sacrário da capelinha restaurada. Fica olhando
e olhando, fitando o infinito, com olhos vazios. Senta-se em frente, num
tamborete de lá mesmo, e assim permanece por mais de meia hora.
O
padre atual, que não lhe conhecia, achou curioso e estranho que um homem viesse
sempre ali e ficasse parado e mudo, olhando fixamente para onde se guardam as
hóstias consagradas. Um dia perguntou ao estranho: - por que?
Ele
lhe contou sua história em poucas palavras e disse, para espanto do novo padre
“venho aqui pela saudade do Encontro”.
Assuero Gomes
Cristão
católico leigo da
Arquidiocese
de Olinda e Recife
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