Por Marcelo Barros
Quando falamos em má educação, geralmente, nos
referimos a falhas no modo das pessoas se comportarem. No entanto, o problema das
lacunas na educação vão além da mera cortesia nas relações interpessoais. A
educação é uma forma de ver o mundo e aprender a enfrentar juntos os problemas
da vida comum. No mundo animal, todas as espécies nascem e se desenvolvem com seus
instintos de conservação e de preservação perfeitos. O pássaro voa, o peixe
nada e os animais do campo e da floresta sabem sobreviver no seu ambiente. O
ser humano é chamado a transformar o ambiente e a sua convivência, através da
cultura e de uma comunhão amorosa que o eleve. Por isso, embora seja
prioritária a educação básica das crianças e da juventude, o desafio da
educação é permanente e diz respeito a toda humanidade.
Há poucos dias, foi publicado na internet o
novo relatório Achievements and Challenges produzido
pelo programa “Education for alls” (Educação para todos) da Unesco. Esse
é um dos documentos mais importantes do recente Fórum Mundial sobre Educação
(WEF 2015) que aconteceu no final de maio em Incheon, Coréia do Sul. Ele contou
com a participação de mais de cem ministros de todo o mundo para criar uma
agenda de trabalho comum a respeito da educação no mundo, deste ano até o ano
2030. Estavam presentes diretores de agências da ONU, do Banco Mundial e a
diretora geral da UNESCO. Como hóspede especial, convidaram o prêmio Nobel
Kailash Satyarathi. O encontro ocorreu um ano exato depois dos acordos de
Muscat (Oman) que propõem sete novos objetivos para serem alcançados até 2030,
a partir do programa “Educação para todos” e dos Objetivos do Milênio que
valeram entre 2000 e 2015.
De acordo com estatísticas da ONU as
estruturas educativas atingem hoje 184 milhões de crianças. No entanto, nos
países da África e alguns da Ásia, 58 milhões de crianças não têm acesso à
escola, sem falar nos 20% de alunos da escola primária que abandonam o estudo
antes do concluírem o ensino básico. No mundo dos adultos, o mundo conta ainda
com 781 milhões de pessoas consideradas analfabetas. Além disso, atualmente, se
torna um desafio o analfabetismo informático e virtual das pessoas que não tem acesso
a computador e internet. No Brasil, espalha-se uma espécie de analfabetismo
social e político que faz com que, mesmo pessoas consideradas letradas e que se
consideram cultas sejam escandalosamente mal informadas e influenciadas por uma
mídia rancorosa e perversa.
Não é o caso de quem tem posições francamente
conservadoras e elitistas por interesses de classe e por não desejarem mudanças
que vão contra os seus lucros e privilégios pessoais. Esses/as não são
alienados/as. Ao contrário, são extremamente lúcidos e bem informados. Sabem
exatamente o que querem e defendem posições das quais estão bem conscientes.
Não é o caso do motorista de taxi, de uma mãe de família da periferia ou um
estudante de bairro se eles, apesar de serem explorados, aceitam pensar de
acordo com os critérios sociais de certos jornais televisivos. Apesar de
sofrerem, não conseguem discernir nas notícias, o que está por trás delas.
Algumas vezes, pessoas assim acabam votando em quem lhes oferecem cem reais
pelo voto.
Quantas pessoas bem intencionadas se deixam levar
por pregoeiros da desgraça. Nessa deseducação promovida por uma elite que
espalha ódio e desesperança, reside um tipo de analfabetismo mais pernicioso do
que o simplesmente não saber ler. Aí jaz o mundo mal educado. Há poucos dias,
em uma entrevista na televisão, ao ser perguntada sobre como reagia às dificuldades
da realidade política brasileira, a atriz Marieta Severo afirmou que não aceita
a desesperança e teima em apostar no positivo. Deu uma aula de verdadeira
educação crítica e conscientizadora.
Paulo Freire insistia que a educação sozinha
não é capaz de transformar nenhuma sociedade, mas sociedade alguma conseguirá ser transformada sem dar
prioridade à educação. Ruben Alves comparava a educação com alguém que tem em
cada mão uma caixa. Em uma mão, uma caixa de ferramentas para transformar o
mundo e, na outra, uma caixa de brinquedos para alegrar a vida e nos manter
interiormente crianças. A educação nos ensina, ao mesmo tempo, a pensar
criticamente e a nos encantarmos com a natureza. Faz-nos conviver amorosamente
uns com os outros e descobrir a beleza, transparente ou oculta, em cada ser
vivo e na própria caminhada da vida.
Para quem tem fé, a educação é caminho de
transformação de si mesmo/a, conversão pessoal e comunitária na direção de um mundo
a ser permanentemente transformado, conforme o projeto do Espírito que quer
fazer de nossa casa comum um planeta de amor.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países
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