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quarta-feira, 8 de julho de 2015

O CÂNTICO DAS CRIATURAS E A ECOLOGIA INTEGRAL: DOIS FRANCISCOS SE ENCONTRAM, O DE ASSIS E O DE ROMA

por Juracy Andrade

“A política não deve se submeter à economia e esta não deve se submeter aos ditames e ao paradigma ‘eficientista’ da tecnocracia. Pensando no bem comum, hoje é imperioso que a política e a economia, em diálogo, se coloquem decididamente a serviço da vida humana. A salvação dos bancos a todo custo, fazendo a população pagar o preço, sem a firme decisão de rever e reformar o sistema inteiro, reafirma um domínio absoluto da finança que não tem futuro e só poderá gerar novas crises depois de longa, custosa e aparente cura.” Estas palavras dão o tom da recentíssima encíclica do papa Francisco Laudato si’, palavras iniciais de uma poesia de São Francisco de Assis, o Cântico das criaturas.

Creio que é a primeira vez que um papa trata do aspecto teológico da ecologia e coloca esse hoje tão preocupante aspecto da natureza em relação direta com a vida humana. E é certamente a primeira vez que um líder da cúpula da Igreja levanta uma bandeira da Teologia da Libertação, tão abominada por seus imediatos antecessores, o papa polonês e o alemão. Quem sabe o fato de sua origem na periferia de uma instituição ainda tão eurocêntrica explique essa disposição de abraçar uma bandeira empunhada longe do tradicional quadro de preocupações da Cúria Romana. Uma instituição que há séculos aprisiona o bispo de Roma. Simbolizando seu desejo de libertar-se desse abraço de sucuri, Francisco passa longe do tal de Palácio Apostólico. Mora num hotel onde pode muito mais facilmente livrar-se de ciladas medievais e tentar conseguir desmontar a máfia dos cardeais tradicionais. Aliás, esse título pomposo de Palácio Apostólico é de morrer de rir (o que dá pra rir dá pra chorar, como no samba). Vocês já imaginaram São Pedro morando em um palácio e servido por fâmulos e uma guarda pretoriana?

Bem. O fato é que temos agora aí um “papa verde” e uma “encíclica verde”, na qual se sente o dedo do nosso teólogo e ecologista Leonardo Boff. Em recente artigo neste nosso O Porta-Voz, ele, que deixou a ordem franciscana, mas não de ser franciscano, ressalta a virada do discurso ecológico operada pelo papa quando ele fala em “ecologia integral”, muito mais além da ecologia ambiental. 

Boff ressalta “o risco de que essa visão integral seja assimilada dentro do costumeiro discurso ambiental, não se dando conta de que todas as coisas, saberes e instâncias são interligados. Quer dizer, o aquecimento global tem a ver com a fúria industrialista, a pobreza de boa parte da humanidade está relacionada com o modo de produção, distribuição e consumo, a violência contra a Terra e os ecossistemas é uma deriva do paradigma de dominação que está na base da nossa civilização dominante já há quatro séculos, o antropocentrismo é consequência da compreensão ilusória de que somos donos das coisas e que elas só gozam de sentido na medida em que estão  colocadas ao nosso bel prazer”.

Os que mandam na Terra não podem apreciar uma tal linguagem. O Jebinho, por exemplo, caçula do clã Bush, candidato a presidente dos EUA, deu bronca dizendo que não deve obediência ao papa. O que propõe Francisco: mudança de rumo já na direção de um só mundo e um projeto comum que nos possa tirar do atoleiro. Leiam o artigo de Boff e sua entrevista ao Jornal do Brasil, ambos encontráveis neste O Porta-Voz. E vamos terminar com uma palavra do grande cristão e filósofo Teilhard de Chardin, que, já nos anos 30 do século passado, proclamava que a era das nações já passara e que a tarefa é construir a Terra. Ninguém o escutou e vieram a 2ª Guerra Mundial e, com um intervalo de apenas cinco anos, a Guerra da Coreia, seguida de mais centenas. A indústria bélica não pode viver e lucrar sem guerras ...


Juracy Andrade é jornalista com formação em filosofia e teologia


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