por Juracy
Andrade
“A política não
deve se submeter à economia e esta não deve se submeter aos ditames e ao
paradigma ‘eficientista’ da tecnocracia. Pensando no bem comum, hoje é
imperioso que a política e a economia, em diálogo, se coloquem decididamente a
serviço da vida humana. A salvação dos bancos a todo custo, fazendo a população
pagar o preço, sem a firme decisão de rever e reformar o sistema inteiro,
reafirma um domínio absoluto da finança que não tem futuro e só poderá gerar
novas crises depois de longa, custosa e aparente cura.” Estas palavras dão o
tom da recentíssima encíclica do papa Francisco Laudato si’, palavras iniciais de uma poesia de São Francisco de
Assis, o Cântico das criaturas.
Creio que é a primeira vez que um papa trata do aspecto teológico da
ecologia e coloca esse hoje tão preocupante aspecto da natureza em relação
direta com a vida humana. E é certamente a primeira vez que um líder da cúpula
da Igreja levanta uma bandeira da Teologia da Libertação, tão abominada por
seus imediatos antecessores, o papa polonês e o alemão. Quem sabe o fato de sua
origem na periferia de uma instituição ainda tão eurocêntrica explique essa
disposição de abraçar uma bandeira empunhada longe do tradicional quadro de
preocupações da Cúria Romana. Uma instituição que há séculos aprisiona o bispo
de Roma. Simbolizando seu desejo de libertar-se desse abraço de sucuri,
Francisco passa longe do tal de Palácio Apostólico. Mora num hotel onde pode
muito mais facilmente livrar-se de ciladas medievais e tentar conseguir
desmontar a máfia dos cardeais tradicionais. Aliás, esse título pomposo de
Palácio Apostólico é de morrer de rir (o que dá pra rir dá pra chorar, como no
samba). Vocês já imaginaram São Pedro morando em um palácio e servido por
fâmulos e uma guarda pretoriana?
Bem. O fato é que temos agora aí um “papa verde” e uma “encíclica verde”,
na qual se sente o dedo do nosso teólogo e ecologista Leonardo Boff. Em recente
artigo neste nosso O Porta-Voz, ele,
que deixou a ordem franciscana, mas não de ser franciscano, ressalta a virada
do discurso ecológico operada pelo papa quando ele fala em “ecologia integral”,
muito mais além da ecologia ambiental.
Boff ressalta “o risco de que essa visão
integral seja assimilada dentro do costumeiro discurso ambiental, não se dando
conta de que todas as coisas, saberes e instâncias são interligados. Quer
dizer, o aquecimento global tem a ver com a fúria industrialista, a pobreza de
boa parte da humanidade está relacionada com o modo de produção, distribuição e
consumo, a violência contra a Terra e os ecossistemas é uma deriva do paradigma
de dominação que está na base da nossa civilização dominante já há quatro
séculos, o antropocentrismo é consequência da compreensão ilusória de que somos
donos das coisas e que elas só gozam de sentido na medida em que estão colocadas ao nosso bel prazer”.
Os que mandam na Terra não podem apreciar uma tal linguagem. O Jebinho,
por exemplo, caçula do clã Bush, candidato a presidente dos EUA, deu bronca
dizendo que não deve obediência ao papa. O que propõe Francisco: mudança de
rumo já na direção de um só mundo e um projeto comum que nos possa tirar do
atoleiro. Leiam o artigo de Boff e sua entrevista ao Jornal do Brasil, ambos encontráveis neste O Porta-Voz. E vamos terminar com uma palavra do grande cristão e
filósofo Teilhard de Chardin, que, já nos anos 30 do século passado, proclamava
que a era das nações já passara e que a tarefa é construir a Terra. Ninguém o
escutou e vieram a 2ª Guerra Mundial e, com um intervalo de apenas cinco anos,
a Guerra da Coreia, seguida de mais centenas. A indústria bélica não pode viver
e lucrar sem guerras ...
Juracy Andrade é
jornalista com formação em filosofia e teologia
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