Por Frei Betto
Diego Neria Lejárraga, 48, é espanhol. Nasceu mulher. Mas desde criança se
sentia homem. Aos 40 anos se submeteu a cirurgias para redesignar sua
sexualidade. Virou homem. O padre de sua cidade, Plasencia, acusou-o de “filha
do diabo”.
Diego escreveu ao papa Francisco antes do Natal de 2014. Indagou qual o seu
lugar na “casa de Deus”. Francisco telefonou duas vezes para ele. Convidou-o a
Roma, a 24 de janeiro. Diego, em companhia de sua noiva, foi recebido na casa
Santa Marta, onde reside o papa. Francisco demonstrou que a Igreja Católica
está aberta à diversidade sexual. Ao sair do encontro, Diego disse sentir uma
imensa paz.
O papa abraça a ousadia de Jesus, que defendeu a mulher adúltera do ataque dos
fariseus; acolheu Madalena, que portava “sete demônios”, como discípula e
primeira testemunha de sua ressurreição; e elogiou a veracidade de samaritana,
que estava no sexto marido, e fez dela a primeira apóstola.
O amor e, com ele, a compaixão e a misericórdia, deve soterrar preconceitos e
discriminações.
“Quem sou eu para julgar os gays?”, expressou Francisco em julho de 2013, ao
deixar a Jornada Mundial da Juventude, no Rio. “Se uma pessoa é gay, busca Deus
e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”
O papa está à frente da Igreja Católica no duplo sentido – como seu chefe e por
sua atitude profeticamente evangélica. Em outubro de 2014, durante o sínodo dos
bispos sobre a família, em Roma, cardeais rejeitaram a proposta de maior
aceitação, na Igreja, de casais homossexuais. Francisco, que prefere a
democracia a se impor como soberano absoluto (aliás, ele é o único do
Ocidente), não contrariou os cardeais. Preferiu levantar uma pergunta que
encurralou os prelados homofóbicos: casais homossexuais têm filhos. “Vamos
deixar essas crianças fora da catequese?”
Na Parada Gay de São Paulo, a 7 de junho, a atriz transexual, Viviany Beledoni,
se apresentou seminua pregada à cruz. Muitos cristãos a acusaram de
“blasfêmia”. Os mesmos que não consideram pecado ou crime a homofobia, e não
mexem um dedo para combater a servidão da mulher como corpo-objeto abusado e
explorado por homens de todas as épocas.
No Brasil colonial os pregadores exaltavam Jesus Crucificado para que escravos
se submetessem resignadamente à chibata dos senhores. Quando uma transexual
utiliza a cruz como símbolo dos sofrimentos de LGBTodos, os fariseus de hoje
jogam pedras na Geni... Como se a cultura machista decorresse da vontade de
Deus. Isso, sim, é tomar o seu Santo Nome em vão. E querer reduzir a moralidade
social à questão sexual, como enfatiza a teóloga Ivone Gebara.
Quando a violência à diversidade de gêneros se reveste de roupagem religiosa,
acende o alarme de que se choca o ovo da serpente. O nazismo resultou também da
perversa ideologia religiosa que acusa os judeus de “assassinos de Cristo”.
Matar é pecado mortal. Matar em nome de Deus é ainda mais grave. E não se mata
apenas pela eliminação física. A morte simbólica usa as armas do preconceito e
da discriminação para demonizar também os gays criados à imagem e semelhança de
Deus – que não é homem nem mulher – e por ele são amados como filhos e filhas
diletos.
Frei Betto é escritor,
autor de “Paraíso Perdido – viagens ao mundo socialista” (Rocco), entre outros
livros.
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