Por Marcelo
Barros
Na recente
Parada Gay de São Paulo, no domingo 07 de junho, a atriz Viviane Bebeloni,
transexual, desfilou presa a uma cruz. Ela afirmou que fazia isso como forma de
protesto pelo que a população GLBT sofre de preconceitos e exclusão social.
Desde que isso aconteceu, o assunto tem sido comentado nos meios de comunicação
e por pessoas de alguns segmentos
religiosos. Uma nota assinada por bispos católicos de São Paulo condena o fato
e protesta veementemente. Chega a pedir que a autoridade pública intervenha
contra esse tipo de evento. Segundo eles, a parada gay teria desrespeitado a
religião católica, ao usar o seu símbolo mais importante: a cruz. No dia
seguinte, independente da nota dos bispos, circulavam pela internet ameaças de
morte à atriz. Chegaram a divulgar a imagem de um travesti morto e de braços
abertos como em cruz, afirmando ser Viviane e que aquilo teria sido castigo de
Deus. É pena que ainda haja cristãos que possam pensar tal coisa de um Deus que
é só amor e misericórdia. De fato, a tal fotografia espalhada na rede era de um
travesti cearense, encontrado morto em abril de 2014. Viviane tem sido ameaçada
de morte por telefone, mas está viva.
Na própria Igreja,
mesmo sem vir a público, outros ministros e a maioria dos agentes das pastorais
sociais pensam diferentemente. O padre Júlio Lancellotti, que trabalha com os
sofredores de rua em São Paulo, declarou que ficou emocionado, ao ver pela
televisão, a cena da atriz pregada na cruz. Ele viu ali o próprio Cristo
crucificado. Outros lamentaram ironicamente que os bispos que assinaram a nota tenham
esquecido de pedir a assinatura de políticos e pastores neopentecostais
conhecidos por suas posições rancorosas e fundamentalistas, já que defendem o
mesmo tipo de pensamento e postura.
A justiça
exige, ao menos, o direito de defesa a quem é acusado, antes de condená-lo sem escutar.
De fato, a atriz em questão, declarou na televisão que se prendeu a uma cruz
“para representar a dor e a humilhação que os homossexuais e população LGBT
sofrem todos os dias” (declaração na internet e na TV Bee). Espiritualmente, quando um fato pode ter ao menos duas
interpretações (uma favorável e outra negativa), um cristão deveria sempre
optar pela mais ecumênica e amorosa.
Sem dúvida,
os bispos que assinaram a nota querem defender a fé cristã e os símbolos do
Cristianismo. Apesar das aparências, certamente eles não se sentem donos dos
símbolos sagrados da fé. Sabem que a Cruz é símbolo de todo o Cristianismo. Em
São Paulo, ortodoxos e cristãos de Igrejas evangélicas históricas, todos usam a
cruz. No entanto, sabem que um símbolo da fé não é grife ou marca comercial
patenteada por alguma empresa. Se fosse assim, em breve, qualquer pessoa para
usar uma cruz no pescoço teria de pedir permissão ao bispo. A reação dos bispos é compreensível quando se
vê a história de séculos da Igreja Católica. No entanto, são pastores
esclarecidos. Mesmo se parece, devemos crer que eles não fizeram isso por
preconceito contra transexuais e nem por homofobia. Ainda há muitas pessoas de
fé e mesmo bispos que, infelizmente, separam o sagrado do profano. Assim, se
escandalizam pelo fato de uma atriz transexual ter se identificado com Jesus na
cruz para expressar a opressão que sofre todos os dias.
Nos anos
80, a Pastoral da Terra divulgou uma cartilha na qual a capa estampava um
lavrador crucificado por uma cruz formada por uma enxada e uma foice. Alguns
bispos e padres acusaram a CPT de fazer um uso político e redutivo da cruz. No
entanto, esses mesmos não sentiam nenhum desrespeito à cruz quando os generais
da ditadura militar usavam a cruz e a Bíblia em suas cerimônias de posse. Até
pouco tempo, salas de tribunal e o Congresso Nacional tinham uma grande cruz na
parede. De alguns desses espaços, a cruz foi retirada por que o Brasil é um
país leigo e não porque algum bispo mais preocupado com o respeito à religião tenha
protestado. Será que Jesus não se sente mais ofendido com certos julgamentos
que temos presenciado no Judiciário brasileiro ou com um Congresso que legisla
tantas vezes contra o povo pobre do que com um pobre transexual que tenta
chamar atenção para a sua dor? E a cruz continua pregada nas paredes de bancos que
ganham 400% de lucro ao ano e exploram de várias formas os pobres. Quando algum
desses bispos tão fervorosos vão protestar contra isso?
Esse tipo
de conflito nos faz compreender melhor porque Jesus foi condenado pelo pretório
(poder político) e pelo sinédrio (poder religioso do seu tempo). Conforme os
evangelhos, ele foi acusado de “blasfemar contra o templo”. O templo era o
símbolo mais importante do Judaísmo da época e ele o desrespeitou. Ele afirmou:
“Podem destruir esse templo e eu o reedificarei em três dias” O evangelho diz que
“ele falava, não da construção de pedra, mas do templo do seu corpo” (João 2,
13 – 21). Sem dúvida, esses bispos são discípulos de Jesus e concordam com ele
que, de fato, o transexual em questão, é como pessoa, um símbolo muito mais
sagrado para a Igreja do que a cruz.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países
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